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11 outubro 2022
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Alexandre Venâncio Vídeo de Alexandre Venâncio

A porta giratória da paleontologia mundial

​​​​​​​​​​​A geologia do território tornou-o abundante em fósseis de dinossauros em todos os estágios da sua vida animal, cuja descoberta e estudo fazem da Lourinhã um caso ímpar no mundo.

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Durante milhares de anos, a região da Lourinhã foi um berçário de dinossauros, dada a elevada procura por parte de várias espécies para ali nidificarem. A constatação desse facto, mais ou menos 152 milhões de anos depois, foi possível através da identificação do maior número de ovos do período Jurássico alguma vez encontrado, boa parte ainda com os embriões. Neste campeonato, o concelho bate o resto do mundo, todo combinado. E os achados, profusos, vão muito além de ninhos, alguns com centenas de ovos, somando-se a descoberta de diversos espécimes fossilizados, muitos nunca antes descritos pela Ciência e, por isso, batizados com nomes da terra: Lourinhanosaurus antunesi, Dinheirosaurus lourinhanensis, Lusotitan atalaiensis, Miragaia longicollum


No Dino Parque da Lourinhã é possível ver os modelos das espécies encontradas fossilizadas na região 

As razões para tal abundância são várias. Entre elas, a evolução natural da paisagem ao longo de milhões de anos, apontada pelo paleontólogo Octávio Mateus, responsável, ele próprio, por alguns dos achados inéditos. «O facto de a sedimentação, ao longo de 150 a 153 milhões de anos (que é a idade das rochas na Lourinhã), ter sido feita em rocha na costa e não no mar, possibilita a exploração paleontológica, e o nível de preservação que encontramos permite-nos saber mais sobre a biologia e a ecologia da altura». Aliás, a costa, as serras e o próprio mar compõem, «de facto, um postal ilustrado que poucos sítios no mundo podem mostrar», assegura. É tal a importância da geologia da região, que a Lourinhã, juntamente com os concelhos de Torres Vedras, Peniche, Bombarral, Cadaval e Caldas da Rainha, tem vindo a trabalhar numa candidatura, a ser presente ainda este ano, a Geoparque Mundial da Unesco. 

Para já, na Lourinhã assiste-se ao crescimento de «uma grande escola de paleontologia», sedeada no laboratório do Museu da Lourinhã. A série de vestígios de dinossauros recolhidos no concelho, composta por ossos, ovos, pegadas e cropólitos (excrementos fossilizados), tem fornecido um inequívoco contributo à Ciência, ao tornar possível compreender como é que estes animais gigantes se reproduziam, que vantagens evolutivas lhes eram concedidas pela composição das cascas dos ovos, como nasciam, como cresciam e como se alimentavam. «O Lourinhanosaurus antunesi, por exemplo, sabemos ter sido uma espécie carnívora de crescimento muito rápido, já que nascia com poucos centímetros de comprimento e aos 12 anos de idade atingia já os quatro metros e meio de altura. Poder estudar os ciclos de vida das espécies é uma faceta da paleontologia que só é possível aqui, e em mais nenhum outro sítio».

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As descobertas feitas na Lourinhã permitiram estudar o ciclo de vida da espécie Lourinhanosaurus antunesi 

O laboratório do Museu da Lourinhã recebeu o nome de Isabel Mateus, a já desaparecida mãe de Octávio, a quem se deve a descoberta do até hoje maior ninho com ovos de dinossauros e respetivos embriões. O pai, Horácio Mateus, também havia encontrado outro, de menores dimensões, e ambos, juntamente com outros entusiastas da terra, criaram o GEAL - Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã. Foi com o seu esforço e o apoio de algumas instituições que nasceram o museu e o laboratório paleontológico, este último o maior de vertebrados existente em Portugal e um dos mais importantes a nível europeu. Aqui se preparam fósseis desta e doutras regiões do país, mas também de expedições feitas em Angola, Moçambique, nos Estados Unidos, na Gronelândia… «Desenvolvemos todo o trabalho, desde o campo até à exposição. No laboratório os fósseis são limpos, reconstruídos, consolidados, etiquetados, moldados, etc… As peças do espólio do GEAL, e porque os dinossauros não são conhecidos por serem pequenos e ocuparem pouco espaço, estão expostas aqui, no Museu da Lourinhã, e no Dino Parque». 


Segundo Octávio Mateus, alguns dos jovens que passaram como voluntários pelos laboratórios de paleontologia​ da Lourinhã dão hoje cartas nas maiores universidades e museus do mundo

No recinto do Dino Parque, além dos fósseis dos animais e dos modelos à escala real, cientificamente comprovada, também é possível «ver a ciência a acontecer», conforme afirma Tiago Marques, referindo-se ao laboratório de paleontologia envidraçado que ali funciona, em parceria com o Isabel Mateus. «Queremos que as pessoas que nos visitam tenham a possibilidade de ver o trabalho de preparação que é feito para se recuperar um fóssil da rocha e se poder estudá-lo», diz o gestor de marketing. 


Tiago Marques testemunha o estudo científico prévio à exposição de cada modelo do Dino Parque

João Marinheiro, um dos paleontólogos de serviço no Live Lab, explica que «os ossos vêm na rocha dura em que fossilizaram, e a primeira fase do trabalho é precisamente retirar essa rocha e expô-los à vista de um outro ser, pela primeira vez, em 150 milhões de anos, o que é sempre um momento especial». Além disso, precisa, geralmente os fósseis não vêm em esqueletos completos e intactos. «Temos um puzzle, onde faltam muitas peças, de ossos partidos que temos de colar e montar». 

Atualmente, os fósseis em estudo no Live Lab do Dino Parque são provenientes do concelho. «Sabemos que estamos a preparar fósseis de dinossauros de pescoço comprido, saurópodes, mas não sabemos se são de uma espécie da Lourinhã, se de uma já identificada noutros lugares ou se se trata de uma espécie nova. Só vamos descobrir isso depois de termos colado todos os ossos uns aos outros», acrescenta João. Do Live Lab já saiu uma espécie nova, oriunda de São Pedro de Moel, no concelho da Marinha Grande. Trata-se de um reptil marinho, o Plesiopharos moelensis, apresentado no ano passado. «Se tudo correr bem, mais ano menos ano é possível que tenhamos mais uma espécie nova que foi preparada aqui no nosso laboratório».



«Ao trabalhar uma peça, quando chegamos ao osso fossilizado é sempre um momento especial, porque somos as primeiras criaturas, em mais de 150 milhões de anos, a contactar com os vestigios daquele animal», sublinha João Marinheiro

Pelos laboratórios da Lourinhã passam, como voluntários, muitos jovens que querem ser paleontólogos. Alguns, refere Octávio Mateus, dão hoje cartas nas maiores universidades e museus do mundo, «saídos deste cantinho de Portugal, que funciona como uma porta giratória da paleontologia mundial. O convite permanece aberto a todos aqueles que tenham gosto e queiram vir ajudar-nos a tratar destes ossos e, assim, apoiar a ciência».



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