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7 outubro 2020
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de José Pedro Tomaz Fotografia de José Pedro Tomaz

A farmácia com paredes de vidro

​​​​​​​​​Em Castelo de Paiva, os utentes mantêm a relação de proximidade a que foram habituados.​

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Isabel Vieira vai confidenciando as suas angústias no pequeno espaço de atendimento do balcão quatro da Farmácia Central, em Castelo de Paiva. À sua volta, erguem-se três paredes de vidro que a separam dos outros utentes e do rosto conhecido da farmacêutica que a atende. A profissional de saúde dispensa-lhe os medicamentos através de uma gaveta que também é de vidro, para serem recolhidos com o mínimo de contacto. 

«Eu queria saúde para todos. Para o povo de Castelo de Paiva e para o mundo», desabafa. Embora este pedido não possa ser atendido na farmácia, é lá que a paivense de 60 anos se sente mais segura desde que as notícias do telejornal transformaram o futuro numa incógnita. 

Nos últimos meses, muito mudou. Os olhares sorridentes vieram substituir os sorrisos habituais, agora escondidos atrás de máscaras. A amizade e o amor aprenderam a resistir à distância. E sair à rua já não é uma liberdade garantida. 


«Nada escondido. E, ao mesmo tempo, está tudo protegido», afirma Isabel Vieira

«Cá dentro, a farmácia está preparada para que a população não se contagie. Lá fora é que estamos sujeitos a tudo», afirma Isabel, enquanto desinfecta as mãos num dos dispensadores automáticos de gel colocados à saída. 

No início da pandemia, o atendimento ao postigo não a deixava satisfeita, era «uma barreira». Agora, as paredes transparentes que a separam da equipa permitem um atendimento privado e próximo, com o «miminho» a que foi habituada. Fã dos produtos de farmácia, Isabel garante que a solução permite ver tudo o que está em exposição. «Nada escondido. E, ao mesmo tempo, está tudo protegido», explica.


Protegidos pela barreira de vidro, os utentes mantêm a relação de proximidade a que foram habituados

Na Farmácia Central, em Castelo de Paiva, há uma estrutura em vidro que, como um aquário, divide o espaço em duas zonas: no centro mantém-se a área reservada aos utentes, marcada por separadores de vidro que isolam os balcões uns dos outros; do outro lado do vidro, estão os balcões, os expositores e toda a zona de bastidores. 

Por trás da engenhosa ideia está uma mulher de armas, pouco habituada a baixar os braços perante um desafio. Aos 51 anos, Helena Martins traz nas veias a paixão pela farmácia, já do tempo da sua bisavó. E a coragem dos pais, professores de profissão, que aos cinco anos a trouxeram para Castelo de Paiva, vindos de Angola. 

Depois de perceber que a solução do postigo não permitia manter a proximidade a que habituou os utentes, a directora-técnica sabia que a única hipótese era abrir portas e «fechar a farmácia de alto a baixo». Com esse objectivo em mente, começou a conceptualizar, em conjunto com a sua equipa, a melhor forma de proteger ao máximo os utentes.

 


Num papel, desenhou a lápis o arrojado plano. Com a ajuda de um colega de outra farmácia, o rascunho transformou-se em vídeo 3D. Da apresentação da ideia a um profissional de caixilharias, até à instalação final, bastou apenas uma semana. 

«Assim conseguimos ter os utentes cá dentro com a sensação de segurança e satisfeitos, mantendo a comunicação a todos os níveis», expõe a farmacêutica. A arte e o engenho herdou-os do pai, que, mais do que professor de português, sempre teve uma veia de artesão. «Vem daí este meu gosto em ser autodidacta» – sorri – «até foi ele que desenhou os balcões que em 1989 instalei na farmácia». 


Manuel Vieira sente-se mais seguro desde que a engenhosa solução foi implementada​

Manuel Vieira, utente assíduo da Farmácia Central, ficou surpreendido quando se deparou, pela primeira vez, com este novo modo de atendimento. «Senti-me muito mais seguro» – recorda o contabilista de 62 anos – «porque a estrutura envolve todo o espaço, do chão até cima.

E tem separadores que me fazem sentir ainda mais à vontade». O atendimento mantém-se com o mesmo rigor e conforto. E a relação de confiança com a equipa, garante, em nada foi prejudicada. 


A farmacêutica Helena Martins concebeu uma solução arquitectónica para dar a todos conforto e segurança

Numa fase em que a disseminação do vírus parece estar mais controlada, Helena Martins vai acompanhando as indicações da Direcção-Geral da Saúde para avaliar a hipótese de remover a barreira com segurança. «Mas é um novo vírus, que continua a mudar» – sublinha – «Por isso, estou disposta a manter a estrutura o tempo que for preciso».

Para além da arquitectura, a segurança depende do comportamento de cada um. A directora-técnica pensou nisso e ofereceu aos utentes uma carteira para moedas e uma bolsa para as máscaras, para que cada coisa esteja no seu lugar e os riscos de contágio sejam ainda mais reduzidos. 

Empenhada em ajudar a comunidade de Castelo de Paiva, toda a equipa participou nos serviços de proximidade. Para começar, reforçou as dispensas ao domicílio, o que permitiu aos doentes de risco ficarem em casa no pico da pandemia. Depois, promoveu junto dos utentes o hábito de ligarem para a linha telefónica gratuita 1400 sempre que precisarem de medicamentos fora de horas, para saberem quais as farmácias de serviço mais próximas. A farmácia passou também a garantir, gratuitamente durante a pandemia, o acompanhamento de doentes de risco que antes tinham de se deslocar aos hospitais para levantar medicamentos. 

«Enquanto farmacêuticos, a nossa missão de Saúde Pública sempre foi e será de extrema importância» – explica Helena Martins – «E este momento fez-me sentir que era hora de ser solidária e devolver um pouco da gratidão que tenho ao concelho que me viu crescer».


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