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3 agosto 2023
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de João Lopes Vídeo de João Lopes

A arte do vidro da Marinha Grande

​​​No museu há peças extraordinárias, na oficina os artesãos mostram como se trabalha o vidro.  

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No Museu do Vidro há um candeeiro da década de 1930, da Fábrica Floriano da Silva, igual a um da Casa Branca, em Washington, ainda que com metade do tamanho. Em exposição está o cálice Bicos de Água, concebido para a visita da rainha Isabel II a Portugal, em 1957. Há peças muito antigas, como uma galheta do século XVIII, e outras simbólicas, como a curiosa garrafa de seis vinhos. Conseguir produzi-la era garantir a passagem de oficial a mestre, o nível máximo de uma profissão onde se começava como aprendiz. 

O vidro na Marinha Grande surgiu em 1747 com o irlandês John Beare, mas foi o inglês Guilherme Stephans quem, em 1769, torna a Marinha Grande no centro nacional da indústria do vidro. Guilherme e o irmão tiveram a vida facilitada: um empréstimo de 32 contos de reis, o usufruto gratuito da madeira, oriunda do Pinhal de Leiria, para os fornos e políticas de protecionismo do vidro português. Não só desenvolveram a fábrica, como melhoraram a vida dos operários, com a construção de uma escola, um teatro, cuidados de saúde e um plano de reforma. Após o falecimento dos irmãos Stephans, a fábrica passa de mão em mão, encerrando definitivamente em 2008. O município está agora a estudar propostas de utilização para o espaço, «que têm de incluir o vidro», garante a responsável, Tânia Rosa. 

 Mário Macatrão, 92 anos, iniciou-se como maçariqueiro aos 14 anos. Diz que é «o artesão mais velho do planeta».

A Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande foi a impulsionadora de uma atividade que marcou gerações de operários-artistas. Surgem, a partir do século XIX, dezenas de fábricas de vidro e moldes e oficinas de acabamentos e decoração do vidro, da pintura à lapidação e gravação. «As oficinas de vidro de maçarico eram uma forma de complementar o rendimento familiar e dar asas à criatividade, porque na fábrica cumpria-se o estipulado», explica Tânia Rosa. No início do milénio muitas fábricas fecharam, mas o vidro continua fundamental na região, que é o cluster mundial na indústria dos moldes para vidro. Ambas indústrias - vidro e moldes - «movimentam milhões de euros». 

A produção artesanal de vidro nunca vai extinguir-se, pois as máquinas não substituem um saber-fazer que vai passando de geração em geração. Há iniciativas para preservá-lo: um movimento internacional defende a classificação do vidro soprado à cana como património material da humanidade, o Museu do Vidro da Marinha Grande está a colaborar com a Direção Geral do Património no levantamento dos ofícios artesanais manuais. Nas formações, as técnicas artísticas e contemporâneas são as mais procuradas, por artistas plásticos e designers. «É esse o caminho», considera a responsável. 


João Medeiros trabalha como lapidário na oficina do Museu do Vidro da Marinha Grande 

Na oficina do Museu do Vidro, os artesãos João Medeiros e Mário Macatrão mostram com prazer a arte a que dedicaram as vidas. Mário tem 92 anos, diz que é «o artesão mais velho do planeta». Iniciou-se como maçariqueiro aos 14 anos, seguindo as pegadas do avô que, aos seis anos, começou a trabalhar na «fábrica dos Stephans» e do pai, que trabalhou na fábrica do senhor Alípio Morais. Nos 42 anos que esteve emigrado no Brasil, foi também o vidro que o ocupou: trabalhou numa fábrica de vidro para iluminação. Na oficina do Museu do Vidro tem um complemento das reformas e a satisfação de mostrar o que sabe. 

«De que cor é o vidro?», pergunta, ao seu lado, João Medeiros, enquanto maneja habilmente a broca para criar desenhos nas peças. O lapidário passa a explicar que «o vidro não existe», resulta da conjugação de minérios e as cores dos óxidos metálicos que se misturam. Chama a atenção para o “cantar” da broca. «Se não cantar não está a trabalhar bem», ri. 

 

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