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2 maio 2024
Texto de Telma Rocheta (WL Partners) Texto de Telma Rocheta (WL Partners) Fotografia de Eduardo Martins Fotografia de Eduardo Martins

700 metros de altitude em fruta

​​​​​​Terra de míscaros e desportos de natureza, Aguiar da Beira tem muitas e boas razões para ser visitada o ano inteiro.​

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Em Aguiar da Beira há um local obrigatório. É o Largo dos Monumentos, com o pelourinho, a Torre do Relógio e a Fonte Ameada. A junção destes três monumentos nacionais num só local, orgulham-se os aguiarenses, é única no país. Aqui encontra-se também o posto de turismo, onde pode pedir para subir à Torre do Relógio.


O Largo dos Monumentos, com o pelourinho, a Torre do Relógio e a Fonte Ameada

Num terreiro ao lado, passa-se pela Igreja da Misericórdia, no caminho ascendente para as ruínas do antigo castelo, a medieval Igreja de Nossa Senhora do Leite, um antigo depósito de água e a estátua de um santo em pose protetora. «Daqui vê-se bem a vila», diz José Henrique Sousa, licenciado em Ciências Farmacêuticas e gerente da Farmácia Portugal, lembrando uma das lendas que fazem parte do imaginário local. «Em tempos houve aqui um convento que foi atacado por mouros. Algumas freiras conseguiram fugir pelos montes, levando uma imagem de Nossa Senhora que esconderam sob uma grande lapa [laje] a uns quilómetros». Foi essa lenda que deu origem ao santuário de Nossa Senhora da Lapa (a cinco km de distância, mas já no concelho de Sernancelhe). Uma pastora muda terá encontrado a imagem 500 anos mais tarde, dando origem a um culto em 1498 e à criação de um grande santuário, o maior em Portugal até à construção de Fátima.

Este concelho rural do distrito da Guarda, com pouco mais de 5.000 habitantes, tem dez freguesias, todas habitadas, mas onde se lamenta a perda de população, como acontece em todo o Interior. Os jovens licenciam-se e não voltam. E enquanto as escolas primárias fechavam, foram abrindo lares de terceira idade para atender a uma população em que 38% tem mais de 65 anos, segundo o Censos 2021. Curiosamente, sustenta José Henrique, «as pessoas daqui são extremamente empreendedoras. Podemos referir muitas coisas boas no concelho, mas o melhor é mesmo a sua gente».


Altino Pinto, diretor do jornal Mais Aguiar da Beira, à esquerda, conversa com José Henrique Sousa

Na Barranha, com cerca de 40 habitantes, o cheiro a lenha sai do forno comunitário reativado que coze pão para os visitantes da Aldeias em Festa. «É o primeiro evento que reúne estas aldeias da região do Dão. O objetivo é reavivar tradições e juntar pessoas», conta Altino Pinto. O dinamizador da iniciativa, de 39 anos, é um caso raro. Estudou Comunicação Social em Coimbra e fez um mestrado em jornalismo, em Lisboa. Em 2015, depois de um período na Suíça, voltou à aldeia onde nasceu, convidado para coordenar um Contrato Local de Desenvolvimento Social, para dinamizar as atividades sociais e culturais.

É o diretor do único jornal do concelho, o Mais Aguiar da Beira, que fundou com um amigo em 2010, quando ainda vivia em Lisboa. Nunca perdeu a ligação às raízes e não se arrepende de ter dado um passo na direção contrária da corrente: «Já viram esta qualidade de vida?». Se houvesse mais oportunidades profissionais, Altino não tem dúvida de que os jovens voltariam. José Henrique Sousa partilha da mesma opinião. Na única farmácia da vila, comprada em 1976 pela mãe, Maria de São José (diretora técnica), orgulha-se de ter jovens licenciados que estão felizes com o regresso.


O terreiro de Altino, onde nasce o rio Dão, com as tabuletas colocadas pelo jornalista, junto ao fio de água da nascente

Muito próximo da aldeia situa-se o terreiro onde Altino fez a sua festa de casamento. É também onde nasce o Dão, o rio que dá nome a toda uma região e desagua 92 km depois, no mais caudaloso Mondego. Junto ao fio de água da nascente, Altino colocou tabuletas com a mensagem: «Aqui nasce o rio Dão. Só percebemos o valor da água depois da fonte secar!». Entre as múltiplas atividades, o jornalista organiza há nove anos o Trail do Míscaro, na época em que se apanha este cogumelo, após as chuvas do outono. «Aproveitámos para fazer provas desportivas e dar maior promoção a esta especialidade gastronómica».

António Gomes, morador na Barranha, explica como se desenterram os cogumelos escondidos: «Quando vemos um montinho, puxamos com um pauzinho. São amarelos, mas se por baixo forem brancos é porque são venenosos». Uma tradição que passa entre gerações torna difícil explicar como se encontram estes fungos, respeitando uma técnica que não perturba os solos. «É cultural, as pessoas aprendem em crianças», sustenta Altino Pinto.


Belmira Pires, no restaurante Cabicanca, a preparar o famoso arroz de míscaros

A atestar o dinamismo dos aguiarenses, José Henrique Sousa salienta que a vila «é uma das terras da zona onde há mais restaurantes de qualidade, sempre cheios, sobretudo à hora de almoço. O Cabicanca é uma dessas casas de restauração. Belmira Pires, proprietária e cozinheira, defende o seu arroz de míscaros e as conservas como as formas mais corretas de servir os cogumelos selvagens. «Os folhados que inventam na feira não são a melhor maneira de os cozinhar», opina, com a autoridade que lhe dá ser a sua casa local obrigatório para quem quer provar a iguaria. Nas paredes há fotografias de Belmira Pires, em várias épocas, com celebridades como Manuel Luís Goucha e Tony Carreira.

A maçã de altitude é outro dos produtos endógenos, com Indicação Geográfica Protegida. Fernando Mendes, de 45 anos, herdou os 30 hectares do Pomar da Presa, onde produz castanha e maçã de várias qualidades, sobretudo para as grandes superfícies e exportação, mas também tem uma pequena loja de venda local.

Produzida à altitude de mais de 700 metros, e com «as mais de 1.700 horas de frio atmosférico e grandes amplitudes térmicas, estas maçãs têm mais crocância, doçura e resistência», explica o agricultor. Uma das mais apreciadas é a bravo-de-esmolfe, estando o concelho inserido na Denominação de Origem Protegida desta variedade. Estamos bastante acima do nível do mar. Dos pomares de Fernando Mendes avista-se a serra, lembrando que o famoso queijo da Serra da Estrela é outro dos produtos característicos de Aguiar da Beira.

O concelho tenta reinventar-se. Desde 2022, com a realização do Campeonato do Mundo de Juniores de Orientação, a vila considera-se a capital da modalidade que consiste numa corrida individual, contrarrelógio, em terreno desconhecido, geralmente de floresta ou montanha, num percurso composto por pontos de controlo. Nesse mês de julho de 2022 estiveram na região 37 seleções de países de todos os continentes, com cerca de mil atletas em prova. O presidente da Câmara Municipal, Virgílio Cunha, conta: «Sobretudo os nórdicos verificaram que o nosso território tem condições ótimas para desportos na natureza. Segundo eles, temos dos melhores percursos a nível mundial». Por isso, desde há alguns anos - ainda no anterior mandato, refere o autarca - o município tem feito «enormes investimentos na modalidade». A operação é complexa, porque «as provas classificativas não podem ser nos mesmos percursos dos treinos». 

​​Barragem da Fumadinha, que abastece de água Aguiar da Beira

Nos passeios em direção às aldeias pode ver-se uma natureza deslumbrante, mas é na barragem da Fumadinha, a qual fornece água potável ao concelho, que José Henrique explica como este anfiteatro natural daria para um festival de música ao nível do de Paredes de Coura. Sem esse evento, o farmacêutico recorda que há momentos ideais para visitar a terra: a Festa do Pastor e do Queijo, em março; a Feira das Atividades Económicas, em julho; o Certame Gastronómico do Míscaro, em novembro; e o parque temático Aguiar Natal, em dezembro. No verão, a vila e as aldeias vizinhas enchem-se com a alegria dos emigrantes, que não esquecem as origens.​
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