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16 outubro 2016
Texto de Rita Leça Texto de Rita Leça Fotografia de Céu Guarda Fotografia de Céu Guarda

Pelos caminhos do rei

​​​​​​​​​​Vendas Novas conserva vestígios da presença da monarquia portuguesa.

Há mais em Vendas Novas do que as famosas bifanas – a palavra mais lida quando se visita a avenida principal da cidade, atravessada pela Estrada Nacional. E se pairar alguma dúvida, esta começa, facilmente, a dissipar-se no momento em que se descobre a origem do nome. Por aqui vive-se ainda com os vestígios de uma história que tem todos os ingredientes para apimentar um bom livro: príncipes e princesas, festas, viagens e lazer com travo a realeza.
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O povoado terá nascido por volta de 1526/32, dizem os manuais que desvendam o nome da cidade alentejana, pertencente ao distrito de Évora.

Mas a nós, a história é contada por José Ribeiro, ribatejano de sangue, alentejano de coração. Vive em Vendas Novas há muitos anos e conhece bem os nomes que outrora deram origem à cidade.

Tudo surgiu com a necessidade de se criar uma estalagem para albergar o rei D. João III e a sua comitiva, durante a longa travessia de um dia inteiro, que então se exigia, para ir desde a Aldeia-Galega (agora Montijo) até Montemor-o-Novo. A tal estalagem, também chamada de “venda”, ficou edificada em 1532, por ordem de D. Teodósio I, quinto duque de Bragança.

A iniciativa rapidamente atraiu os comerciantes que ali construíram mais um pouso comercial. Para os viajantes, aquelas terras ficaram conhecidas como “As Vendas” e, por serem recentes no lugar, “Novas”.

Nos bastidores da Farmácia Ribeiro confirmamos a história com alguns dos vários livros que José Ribeiro guarda. «Sou um leitor compulsivo», admite o farmacêutico que, durante os tempos de estudante, trabalhou como mecânico de motores de aviões na Força Aérea. E é neste momento que os seus olhos brilham: fala do passado mais com carinho do que com nostalgia, e revela-nos a sua paixão, os automóveis. Dos «muitos» que já teve, apresenta-nos um da sua eleição, um Volkswagen Beetle de 1967, amarelo. Como resistir?

Foi no clássico carocha, que seguimos para almoçar no restaurante O Escondidinho, não sem antes descobrirmos mais um marco da presença da realeza por estas terras: o Palácio do Vidigal, no monte que lhe dá o nome. Um lugar quase encantado, mandado construir pelo rei D. Carlos I, para descanso e lazer.

Um edifício impressionante, mas sem ser extravagante. Está acompanhado por uma pequena capela, «recuperada há uns anos e onde já se realizaram vários casamentos», como nos conta o capitão Renato Rupio, enquanto mostra o lugar, que inclui também uma pequena praça de touros, criada para satisfazer os gostos do monarca. No total, são cerca de 6.000 hectares, uma herdade que pertence hoje à Fundação da Casa de Bragança.

«Onde agora há pinheiros, havia no passado trigo, milho e outros cereais. E lá em cima, no monte, vivia a família Serrano, que mandava nisto tudo. Eles vinham a cavalo até cá abaixo para dar ordens aos empregados», revela o capitão Renato Rupio. Hoje, além da falta de plantação, também a casa necessita de obras de manutenção, sendo a antiga cozinha do rei o lugar com mais vida – é lá que, de tempos a tempos, o Clube de Caçadores de Terras d’El Rei de Vendas Novas organiza os seus encontros, em jeito de almoços bem recheados.

«Para chegar a esta espécie de casa de férias, o rei mandou construir a linha férrea entre Lisboa e Vendas Novas. D. Carlos I descia do comboio na estação de Bombel, onde o esperava uma charrete que o conduzia, por ali, até ao palácio», conta José Ribeiro, nas traseiras da estação, com o dedo estendido para um caminho sinuoso e de terra batida, entre milhares de árvores.

Caminhos que José Ribeiro atravessa de bicicleta, quase diariamente, outra das suas paixões, que remonta aos tempos de infância quando acompanhava o pai, então director da Volta a Portugal, nas provas pelo país. Hoje, faz parte do ADN, clube de ciclismo da região. 

Mas quando já estamos a imaginar cenários de filme com reis e rainhas, ficamos a saber que a relação entre a monarquia e Vendas Novas não fica por aqui.
 
E melhor: vai além-fronteiras. O monumental edifício da actual Escola Prática de Artilharia foi, em tempos, palco de «trocas de princesas» entre Portugal e Espanha, quando os casamentos eram arranjados em nome dos interesses dos reinos – foi lá que D. José I recebeu a Infanta de Espanha, D. Maria de Bourbon, e o rei de Espanha D. Fernando VI recebeu em casamento a Infanta de Portugal, D. Maria Bárbara de Bragança. Depois, ganhou o nome de "Palácio das Passagens" por ser um local de descanso nas viagens da realeza.

De tantas viagens, entre diferentes tempos da História numa mesma cidade, tornou-se imperioso um momento de pausa. José Ribeiro levou-nos, então, ao Jardim Público para relaxar e disfrutar da Natureza, onde nos revelou, por fim, o seu restaurante de bifanas de eleição: a Casa da Clara, «a última da avenida principal». ​
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