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17 julho 2018
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira

A terra que Vénus engendrou

​​​​​​​​​Pedrógão Grande aparece envolto num mar de verde.

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​Descem, em declive soberbo e perfeito, até às águas límpidas do leito, pincelando carvalhos, oliveiras, sobreiros, giestas, estevas, urze. Aqui e ali, o vermelho dos medronheiros selvagens. Granitos e xistos incrustam as encostas. O ar está leve, límpido.

Generosas, as águas do Zêzere oferecem duas paisagens. De um lado, o grande lago beija a terra e conquista-a para si, espelhando o céu inteiro na albufeira do Cabril. Logo a seguir à barragem, uma das maiores do país, o curso de água doce serpenteia estreito pela montanha, seguindo sempre a seus pés, em perpétua intimidade.

Por cima, uma ave de rapina rasga os céus, desvendando sobre o monte a pequena vila de Pedrógão Grande. «Esta é uma zona que transmite a grande beleza que tem Pedrógão Grande e arredores», apresenta Carlos Pires, director-técnico da Farmácia Baeta Rebelo, na vila, e cicerone da visita. Na verdade, assevera, nestas terras é «a beleza natural a imperar».

O guia mostra a ponte filipina, num dos miradouros próximos da barragem do Cabril. Até recentemente «era a única ligação entre Pedrógão Grande e Pedrógão Pequeno». Em pedra e coberta por vegetação, a pequena ponte integra alguns trilhos pedestres, pensados para descobrir os segredos desta terra. Apenas nos anos 50 do século XX foi substituída em função – mas não em beleza.


O farmacêutico Carlos Pires é o cicerone da visita​

A estrada segue sobre a montanha, até chegar a Pedrógão Grande. Cerca de duas mil pessoas habitam a vila antiga, que recebeu foral há mais de 500 anos. Mas a história que testemunhou o edificado branco é bem anterior. E a Igreja Matriz, monumento nacional em torno do qual nasceu o centro do povoado há mais de 800 anos, está lá para o mostrar.

A Igreja Matriz e a sua Torre do Relógio são marcas indeléveis da vila, vêem-se de longe. O templo mantém o estilo românico do séc. XII. Com uma capela-mor abobadada e uma nave central de dois andares, o interior assinala o estilo manuelino.


Igreja Matriz, do século XII

Um estilo guardado também na pequena aldeia de Troviscais Cimeiros, bem próxima. É aí que fica, na Villa Isaura, o Museu da República e Maçonaria, que tem o filho da terra Aires Henriques aos comandos.

Do período manuelino, as pedras que compõem o edifício que alberga o surpreendente museu saíram do centro histórico de Pedrógão Grande. «Têm 880 anos e contam a história de Pedrógão, que existiu antes de Portugal ser nação independente», contará, mais tarde, Aires Henriques.

Situada no ponto mais alto de Pedrógão Grande, ao lado da igreja, está a Torre do Relógio, onde tudo começou. Há uma lenda relacionada com esse início longínquo, tempo de encantamentos e mistérios: é a lenda da Princesa Peralta. Aires Henriques recupera a história da princesa Peralta escrita pela primeira vez em 1629, num livro chamado “Miscelânea do sítio de Nossa Senhora da Luz do Pedrógão Grande”. Começa na desaparecida Conímbriga, nos anos 500 a.C. Perante o assédio e os assaltos que causaram a destruição de Conímbriga, o seu senhor esconde a filha, a Princesa Peralta, num castelo da Lousã, num lugar inacessível entre serras, e parte para África para reunir esforços com o intuito de recuperar o seu reino.

Peralta, de uma beleza admirável, é assediada por príncipes da zona. Em Trevim, na serra, acaba por ser convencida por um mago de que o pai está a regressar pelo lado oriental. Ansiosa por assegurar-se do bem-estar do progenitor, a jovem resolve atravessar a serra, a partir de Condeixa, Miranda do Corvo, Lousã, Castanheira. E começam os problemas. Tamanha beleza não passa despercebida – nem aos deuses. «Em Castanheira, a deusa Vénus, invejosa da beleza de Peralta, resolve castigar todos os que a louvam. E transforma tudo em fontes, rios, ribeiras, penhascos.

A princesa é transformada em ribeira de Pera», conta Aires Henriques. «Vénus retira-lhe o alta para que ninguém a recorde com carinho ou se lembre da sua beleza».

O castigo da bela e impiedosa Vénus vai mais longe. Transforma também um dos príncipes, odiado pela princesa, em rio Zêzere, forçando-os a encontrar-se para a eternidade. «Há outros príncipes da família dos Petrónios que, perdidamente enamorados, lutam pela princesa.

Os que vencem a batalha ficam na margem direita do rio, os perdedores na esquerda. Assim nascem Pedrógão Grande e Pedrógão Pequeno que foram sendo povoados.

Saindo do centro da vila através do casario branco e térreo, chega-se ao Jardim da Devesa, famoso pelos enormes e antigos carvalhos. «É muito rico em espécies diferentes. Temos os famosos carvalhos da Devesa e muitas outras plantas que conferem uma grande diversidade ao jardim», apresenta Carlos Pires. O jardim, continua o anfitrião, «está muito bem cuidado e atrai muita gente, durante todo o ano. Nos dias de calor, os bancos estão preenchidos por pessoas a descansar, fazer croché, pôr a conversa em dia». 

Capela no Jardim da Devesa​

Bem perto, fica a Farmácia Baeta Rebelo, que prestou auxílio à população durante os incêndios de há um ano. «As pessoas estão ainda a recuperar», conta Carlos Pires.

Apesar disso, há algo de extraordinariamente forte nestas gentes que acolhem quem chega com genuína alegria. «Somos bons anfitriões, gostamos muito de receber as pessoas, fazemos tudo para as tornar bem-vindas, para se sentirem em casa», diz o cicerone.

É com a Princesa Peralta ou ribeira de Pera, escondida por uma espécie de floresta encantada, com lagares e moinhos nas suas margens, que passamos o dia seguinte. Antes, o almoço: um repasto imperdível no Lago Verde, debruçado sobre o seu amante indesejado, o Zêzere, composto pela tradicional sopa de peixe e pelos maranhos.

Na aldeia do Mosteiro, parte da Rede das Aldeias do Xisto, está a bela e amaldiçoada princesa, a ribeira de Pera, contida pela represa da praia fluvial do Mosteiro. O ar parece ainda mais puro e límpido.


Praia fluvial do Mosteiro, que contém águas da bela e amaldiçoada ribeira de Pera

É aqui que descobrimos um projecto de recuperação único, Árvores de Afectos, que pretende trazer pessoas a visitar a zona. A ideia é apadrinhar uma árvore, autóctone ou de fruto. O padrinho deve voltar, pelo menos duas vezes por ano durante um período de cinco anos. «Se forem árvores de fruto, são os padrinhos que vêm colher os frutos».

O regresso é o mais importante, diz o cicerone. «Essa é provavelmente a maior ajuda de que nós precisamos: que as pessoas visitem Pedrógão Grande e dêem novamente vida a uma zona tão bonita e que tem tudo para ser feliz». E para nos fazer felizes.

 


A Protecção Civil lançou o Programa Aldeias Seguras e Pessoas Seguras para ajudar a população a defender-se contra os incêndios. Aprenda a proteger-se AQUI.​​
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