Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
18 julho 2018
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

Vela sempre acesa

​​​A farmácia está disponível 365 dias e 365 noites por ano.

Tags

​​

Farmácia da Misericórdia - Velas, Ilha de São Jorge

A farmacêutica Diana Matos fixa o olhar no monitor do computador. São 9h20 e a fila de utentes já transborda porta fora. Não há margem para desacelerar ao balcão. Não se pode parar.

A Farmácia da Misericórdia, em Velas, está instalada paredes-meias com o centro de saúde, que disponibiliza consultas de Medicina Geral e Familiar e Serviço de Urgência 24 horas por dia. «As pessoas vão ao médico, saem com a receita e querem ser logo aviadas. Há utentes que preferem, se for o caso, esperar 20 minutos a terem de voltar no dia seguinte», expõe a farmacêutica Diana Matos, de 32 anos.


A farmácia está instalada paredes-meias com o Centro de Saúde de Velas​

De manhã, até às 9h30, logo a seguir ao almoço e ao final da tarde, são frequentes os picos de atendimento e as filas à porta. Muita gente procura a farmácia antes mesmo de ir ao centro de saúde. É o caso da mãe de Fábio, criança de cinco anos com uma dor de ouvidos. Nuns casos, as farmacêuticas conseguem resolver os problemas, noutros referenciam os utentes para o centro de saúde.

Na ilha de São Jorge não há hospital nem maternidade. As mulheres grávidas são seguidas pelos médicos de família, mas têm de se deslocar às ilhas do Faial, São Miguel ou Terceira para terem consultas de Obstetrícia. A equipa da farmácia apoia-as em muitas inquietações, antes e depois dos partos. «Temos muitos pedidos de aconselhamento. Procuram-nos quando querem perceber qual o melhor leite a dar ao bebé», referem as farmacêuticas.


A farmacêutica Diana Matos está grávida e ainda passa noites de turno na farmácia​

Diana Matos e Paula Matos são irmãs. Para além disso, têm em comum a profissão e a contingência de experimentarem a maternidade numa pequena ilha, longe dos grandes centros urbanos onde abundam os especialistas. Paula foi mãe de gémeos há dois anos e meio. Foi dar à luz a 250 quilómetros de casa, em Ponta Delgada, o que a obrigou a uma longa ausência. «Uma grávida tem de sair da ilha com um mês de antecedência », queixa-se. Diana Matos, 32 anos, está agora grávida. O seu bebé vai nascer na ilha Terceira. «Não aceitaram que fosse em São Miguel, julgo que pelo número de pedidos que já existe ».

Natural de Rosais, freguesia rural do concelho de Velas, Soledade Lopes, 54 anos, ajudante num lar de idosos, precisou de fazer uma cirurgia a um punho. Com operação marcada em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, desdobrou-se em viagens. «Embarquei num dia, passados dois regressei a São Jorge e, depois, passados mais três dias voltei lá novamente, para ser operada», conta.

Naturalmente que uma ilha com pouco mais de nove mil habitantes não comporta um hospital com todas as especialidades médicas. Mas a equipa da farmácia sente a necessidade de mais consultas de especialidade. Com uma economia local assente na indústria dos lacticínios e agricultura, os eczemas de pele são um tipo de queixa recorrente. «Há pessoas que vêm aqui mostrar-nos situações já demasiado avançadas», lamenta a farmacêutica Diana Matos.

As coisas melhoraram desde que o técnico de farmácia Egídio Soares chegou à ilha, nos anos 80. A falta de medicamentos era pior nessa época. A gestão dos stocks é uma preocupação diária. «Costumamos ter bastante stock, no mínimo para 15 dias. No Inverno, com o mau tempo, se não vem avião ou barco não conseguimos fazer chegar cá os medicamentos». Felizmente, já existe um armazenista na ilha, mas sem capacidade para fornecer tudo o que a população precisa.


As diferenças de acesso ao medicamento são notórias, expõe Egídio Soares

A Farmácia da Misericórdia está permanentemente disponível, 365 dias por ano. «Cada funcionário fica de escala um dia por semana e vai rodando por todos. É um serviço de disponibilidade, que na verdade é… permanente », descreve a directora-técnica. «Esta foi a forma que encontrámos para fazer face ao número de atendimentos que temos», expõe Diana Matos. «Temos o dever de zelar pela saúde pública. O papel do farmacêutico neste contexto de ilha é muito importante», conclui Egídio Soares.

A farmácia fica de porta aberta de segunda a sexta, das 8h30 às 19h00, sem interrupção para almoço, e aos sábados até às 13h. No resto do tempo, está em disponibilidade ». Durante a semana, a média anda nos cinco a seis atendimentos nocturnos. Nos fins-de-semana, dispara para 30 ou 40. 

Vários farmacêuticos e colaboradores optam por passar na farmácia a noite de escala. Para isso, no piso inferior, foram instalados dois quartos, que permitem algumas horas de descanso ao profissional de serviço. «Eu própria costumo ficar no apartamento, pois vivo um pouco longe e prefiro isso a andar na estrada de noite», conta a farmacêutica Diana Matos, que reside na freguesia de Manadas.


«É uma farmácia com a qual posso contar todos os dias», diz Manuel Paz, que andou emigrado na América​

De receita na mão, Manuel de Sousa Paz, 80 anos, é um homem da terra, mas andou muitos anos emigrado. Nascido em Velas, este reformado elogia o «óptimo funcionamento» da farmácia. «É uma farmácia com a qual posso contar todos os dias». No entanto, também ele desabafa as agruras da insularidade. «Há oito anos, tive um AVC nos EUA. Em 15 minutos estava a ser tratado. Se tivesse acontecido aqui na ilha, se calhar não estava hoje a falar consigo».

 

Notícias relacionadas