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20 setembro 2016
Texto de Pedro Veiga Texto de Pedro Veiga Fotografia de Alexandre Almeida Fotografia de Alexandre Almeida

Uma viagem ao berço

​​​​​Guimarães encontrou uma segunda vida com os títulos de Património da Humanidade e de Capital Europeia da Cultura. A cardiologista Filipa Almeida leva-nos numa viagem muito pessoal e surpreendente.

Aos primeiros passos para lá da Porta da Vila, somos recebidos por D. Afonso Henriques, o geométrico. Que é como quem diz pela figura de ângulos rectos e curvos criada pelo escultor João Cutileiro, e que, desde a sua revelação ao público, em 2001, tem alimentado amores e ódios entre os habitantes da cidade de Guimarães. «Eu gosto, muito!», revela Filipa Almeida, cardiologista, cicerone de improviso. «E o engraçado é que o meu primeiro impacto foi de ter gostado, e depois, à medida que me fui habituando e que o resto deste largo (João Franco) foi sendo renovado, fui gostando ainda  mais».

Seguimos muralha dentro, rua Rainha D. Maria II fora, ladeados pela mistura do cinza do ​granito e das cores outonais das fachadas, portas a combinar, varandas de ferro trabalhado. No rés-do-chão, comércio tradicional, velho e novo: uma livraria aqui, um café ali, uma loja de artesanato e outros produtos da região mais à frente. «Gosto muito destas lojas, desta mistura de objectos antigos e modernos», confessa Filipa, enquanto aponta para uma montra. «Estamos quase a chegar».​

A rua estreita abre-se e, de repente, burburinho, espaço, esplanadas, imensa gente. É de manhã, mas o Largo da Oliveira está preenchido.​

«Este sempre foi um centro muito vivido quando comparado com os centros históricos de outras cidades do país», explica a médica vimaranense de 39 anos, que apenas viveu fora durante os oito anos em que esteve a estudar Medicina. «Sempre estivemos aqui. A minha adolescência foi aqui, saía aqui, de dia e à noite, nesta zona», ainda antes de o Centro Histórico ter sido reconhecido como Património Cultural da Humanidade, em 2001, e muito muito antes de ter sido Capital Europeia da Cultura. Isso aconteceu em 2012, «um ano em que foi um privilégio viver-se e estar-se aqui». E as consequências ainda são evidentes.​​

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Os turistas passaram a fazer parte do cenário, de máquina fotográfica apontada aos pormenores góticos na fachada da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, ao Padrão do Salado, ao jogo de luz e sombras que se revela nas arcadas dos antigos Paços do Concelho. «Há 10 anos, isto não acontecia», explica Filipa Almeida, «e o facto do Porto se ter tornado num grande destino turístico também ajudou Guimarães a crescer em termos de cidade aberta ao exterior. Nós também temos a vantagem de ter um centro histórico que é pequeno e isso permite que as pessoas possam conhecê-lo sem pressas, sem aquela urgência».

A Praça Santiago, ali ao lado, dá-lhe razão. Preenchida, mas não à pinha; vibrante, mas não sufocante; gente, mas não multidão. «Há uns anos, esta praça nem tinha muito movimento, a Oliveira era a praça principal. Havia aqui alguma descaracterização, mas todas as casas foram recuperadas e, lá está, dá-lhe este ar rústico. Neste momento, está assim, cheia, e em termos de oferta de restaurantes, tem até muito mais».​

Seguimos caminho, rua de Santa Maria acima, «uma das ruas mais bonitas e de que eu mais gosto em Guimarães. Não é uma rua esculpida ou maquilhada. É uma rua em que as pessoas vivem e onde estão, com coisas engraçadas, como estas vendas de fruta. Gosto muito ali do arco», aponta, indicando uma das primeiras vias da cidade, fundada por Mumadona. E continua: «E depois há ali o Largo da Câmara, onde há também um edifício muito bonito. Agora é a Câmara Municipal, mas antes era uma escola. A minha mãe chegou a estudar lá».​

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E Guimarães é muito isto: uma rede sinuosa de ruas, ruinhas e ruelas, que nos levam à descoberta de praças inesperadas, largos solarengos, espaços que, durante décadas, foram apenas de passagem e que, mais recentemente, se transformaram em pontos de encontro, de paragem, de vivência da cidade. É o que continua a acontecer na zona de Couros, uma espécie de segundo centro histórico da cidade, que durante décadas, foi zona de trabalho têxtil e que, hoje, caminha para o final de um longo processo de recuperação imobiliária e identitária.

Até a Colina Sagrada, durante anos refém do estigma de ser uma zona mal frequentada, insegura até, ganhou novo fôlego. A relva fresca em torno do Paço dos Duques de Bragança convida a uma pausa, antes de se entrar para conhecer o pátio central, as arcadas que o rodeiam e as mil e uma salas sobranceiras. Alguns metros acima, o Castelo de Guimarães, uma das Sete Maravilhas de Portugal.​

«Não estou a dizer que é o castelo mais bonito do país, há outros, mas é um castelo genu​inamente bonito», comenta Filipa Almeida. «Outra particularidade», continua, é que «em muitas zonas da cidade, nos sítios onde as pessoas moram, conseguem também ver o Castelo e o Paço dos Duques. Fizeram sempre parte da nossa vida».​​​


É hora de almoço. Filipa Almeida tem encontro marcado com amigos no Parque da Cidade, pulmão verde de 30 hectares inventado já durante o século XXI, no extremo leste de Guimarães. «É um espaço a que gosto de vir sempre que posso», explica. «Posso estar aqui descansada, com amigos, as minha filhas têm espaço para brincar com os amigos sem as perdermos de vista, é uma maravilha».​

A ementa chega à mesa. Filipa e os amigos estudam as opções: sushi, piza, talvez uma massa com um copo de sangria fresca a acompanhar. «Acho que já podemos pedir», atira. Bom apetite.​​
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