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3 dezembro 2017
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Alexandre Vaz Fotografia de Alexandre Vaz

Todo o tempo do mundo

​​​​​​​​​De visita a um Alentejo muralhado e maravilhoso.

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Os campos mantêm os tons dourados do Estio. Quadrados de terra castanha e vermelha prendem o olhar aqui e ali. É quando se sucedem as azinheiras e os sobreiros, árvores de  ​troncos fortes e copas verdes, que sentimos o lugar onde estamos: o Alentejo profundo, ancestral, pacífico, onde o tempo parece cronometrado com relógios diferentes.​

Há tempo para tudo, até para descobrir outros tempos. Em Reguengos de Monsaraz, o Megalítico espera há milhares de anos para ser descoberto e contar histórias dos nossos ​​​​antepassados.

Rui Aparício, farmacêutico ribatejano de 57 anos que se apaixonou por Monsaraz há mais de 30, é o contador das histórias e memórias do seu Alentejo. Recebe-nos na vila erguida sobre a colina, eleita Aldeia Monumento no concurso “7 Maravilhas de Portugal”.

Das muralhas da vila medieval, ou “Monte Saris”, como a nomearam os mouros que a ocuparam até 1167, há beleza até onde o olhar alcança. «Chamaram-na assim devido à abundância de estevas. Na Primavera conseguimos ver grandes extensões de estevas em flor», conta Rui. 
  
Por estes dias, as estevas não estão floridas, mas vê-se montes, alguns povoados, campos e campos a perder de vista, com Espanha a poucos quilómetros. Lá em baixo, o Alqueva. E vinhas.

A produção do néctar dos deuses é um dos grandes orgulhos da região, diz Rui, para logo acrescentar que está longe de ser o único. Acreditamos. ​

Nas terras contíguas ao grande lago em que se transformou o rio Guadiana há um tempo anterior ao da produção vitivinícola: o da magia, quando os nossos antepassados  ​acreditavam na necessidade de garantir morada após a morte, e construíam antas para a assegurar.

Partimos à descoberta da Idade do Bronze no Olival da Pega, mas a aldeia de São Pedro do Corval impõe uma visita. As cores vivas e o modo de ser e viver ​alentejano estão expostos em pratos pendurados nas paredes do casario térreo. «São Pedro do Corval tem a maior concentração de olarias do país», comenta Rui.

​Na Olaria Tavares somos recebidos por Dora, filha do dono. «Abrimos há 52 anos», diz, acolhedora e sorridente, contando que na aldeia há ainda 17 olarias a funcionar. Ela e a ​amiga Lídia pintam as peças construídas na fábrica da família, nas traseiras da loja.

​Pouco depois, nova paragem à beira da estrada, na Pedra dos Namorados, formação geológica semelhante a um cogumelo gigante. «Segundo a tradição, as raparigas casadoiras vinham aqui atirar pedras para o rochedo. Se as pedras fi​cassem lá em cima, arranjavam marido», conta o farmacêutico.

​​Finalmente, o conjunto megalítico do Olival da Pega. Datado de 3500 a.C. a 3000 a.C. e constituído pelas Antas 1 e 2, foi um grande complexo funerário. Nas pesquisas foram encontradas 134 placas de xisto e 200 vasos cerâmicos, além de uma necrópole colectiva onde estariam sepultadas 158 pessoas. E porque é de um olival que se fala, é impossível não reparar nas oliveiras, algumas milenares, em redor das antas.
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 A zona guarda também a herança dos tempos em que os homens acreditavam que fecundar a terra com enormes pedras fálicas garantiria melhores colheiras. Uma dessas pedras fica na aldeia do Outeiro. Encontrado tombado em 1964, o Menir do Outeiro, com 5,6 metros de altura, foi reerguido e restaurado. Os estudos arqueológicos revelaram que teria funcionado para rituais de fertilidade.

​Partimos à descoberta do modo de fazer vinho alentejano. O destino é uma das adegas da região, reconhecida internacionalmente pela excelência dos seus produtos. Trata-se da Herdade do Esporão, onde o guitarrista Grutera, alter ego de Guilherme Efe, gravou “Sur Lie”, que ganhou o nome em homenagem ao processo de envelhecimento do vinho em ​​​barrica.

​Vera Simões é a simpática anfitriã da visita pelas vinhas já sem uvas. «Fazemos a vindima de Agosto a Outubro, mas este ano tivemos de apressar as coisas por causa do calor. Terminámos em Setembro», conta, mostrando as enormes cubas e máquinas que possibilitam a produção dos vinhos Esporão.

«Aqui em baixo ficamos com a uva esmagada. E depois decidimos o que fazer com ela, se a pisa a pé ou mecânica». Na herdade, explica Vera, ainda se pisa a uva a pé «para as melhores castas, com maior potencial de produção». O método permite observar o comportamento da uva e acompanhar o processo de fermentação, preservando a tradição. A pisa mecânica é usada para grandes volumes. Todos os anos, a Herdade do Esporão produz entre 13 e 15 mil litros de vinho. ​

​Chegamos a uma adega com cubas de cimento, que permitem uma oxigenação lenta. «Cada uma delas produz parte do mesmo seleccionado, alguns ​monocastas, experiências…». E há as talhas, um regresso ao passado: «É a forma de produzir vinhos trazida pelos romanos há mais de dois mil anos, aquando da ocupação da Península Ibérica, e que continuou no Alentejo. Temos muitas famílias que produzem os seus vinhos dessa forma. As pessoas estão a aprender a apreciar vinho da talha. São vinhos muito fortes, com taninos fortes, muita acidez, frutos vermelhos ​acentuados, muito álcool. Ou se gosta ou se odeia», explica Vera.
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​Da produção, passamos ao estágio em barrica, a sete metros de profundidade e temperatura constante de 18 graus. Ao descer à cave, a sensação é semelhante ​à entrada num templo. Logo à entrada, pequenos potes com pedaços de carvalho francês e americano, as árvores utilizadas na tanoaria das barricas da Herdade do Esporão, introduzem a esta paixão. «O carvalho francês tem aroma a especiarias, cravinho, pimentas. É mais fino, entra mais oxigénio e mais depressa. E depois temos o carvalho americano, mais grosso, com ​​menor e mais lenta entrada de oxigénio, com aromas próximos ao coco, à baunilha, ao caramelo». Confirma-se. Os vinhos ficam aqui «oito, 12, 18 meses», precisa Vera, no corredor que parece não acabar nunca. Foi este o túnel, onde estão sobrepostas em geometria perfeita entre 2.500 e 3 mil barricas, escolhido por Grutera para dar corpo à música da sua guitarra no terceiro disco a solo.


​​Jantamos, na Taverna “Os Templários”, em Monsaraz. A vista sobre a paisagem é soberba, com os dourados, pontuados aqui e ali por verdes e vermelhos, casas, outros montes. «Espanha é logo ali», aponta Rui. Começa a escurecer quando chegam as bochechas de porco e o vinho – alentejano, claro está.

 É chegada a hora de olhar o céu negro, estrelado, infinito. Com todo o tempo do mundo.​ 
 

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