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13 maio 2019
Texto de Maria João Veloso Texto de Maria João Veloso Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Reais caminhos de terra e de mar

​​​​​​​​Geografias reais e gastronómicas em terras saloias.

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Magnânimo como o rei que o mandou construir, o Palácio Nacional de Mafra avista-se do cimo da Serra de Sintra. No ano de 1711, casado há três anos sem descendência, D. João V prometeu ao divino construir um convento se conseguisse assegurar a continuidade da dinastia. A 4 de Dezembro desse ano nascia a Infanta D.Maria Bárbara. O rei cumpriu a promessa e seis anos mais tarde seria lançada a primeira pedra deste edifício imponente. Foi construído à semelhança de outros, congéneres como o Palácio de Versailles, em França ou o Palácio Real de Madrid. 

O verso de Fernando Pessoa Deus quer, o homem sonha, a obra nasce aplica-se, não por esta ordem. Passados três séculos, pisa-se chão com história sob o olhar atento do bufo real e respectiva família – as aves de rapina – da associação PENAS, que habitam o claustro do convento desde 2015. Fernanda Santos, coordenadora do Serviço Educativo do convento, começa a visita no Campo Santo.


No Núcleo de Arte Sacra, destaque para a escultura "Santos Mártires de Marrocos"

A cada rectângulo do chão corresponde uma sepultura. «Os franciscanos dão pouca importância à morte, porque dão ênfase à vida além da morte», explica Fernanda Santos. Segue-se a enfermaria conventual e o Núcleo de Arte Sacra. Destaque para a escultura "Santos Mártires  de Marrocos", cujos milagres inspiraram Santo António a entrar na Ordem Franciscana.

A enfermaria dos doentes graves, onde todas as camas estão viradas para o altar, com o intuito de obter a cura, impressiona a farmacêutica Fernanda Maximiano, com farmácia na aldeia do Sobreiro há mais de 30 anos. Os frascos e utensílios da antiga botica despertam a curiosidade da anfitriã por serem, eles mesmos, objectos da história da Farmácia e da Medicina em Portugal.

Inicialmente o rei encomendou um convento para 13 frades, mas o projecto de Johann Friedrich Ludwig foi aumentado diversas vezes. No fim cabiam 300 frades, aos quais se juntou um paço real e uma basílica. A empreitada é de D. João V, o mais megalómano rei de todas as dinastias. Em diferentes épocas, o convento foi habitado por franciscanos e agostinhos.

Percorridos os intermináveis corredores do palácio, imagina-se como era a vida na corte. O rei vivia na ala norte, a rainha na sul. Entre os dois, todo um mundo frio de pedra lioz vinda de Pêro Pinheiro e Montelavar. Um mundo rebuscadamente barroco, cenário de filmes como “A Rainha Margot” ou “A Filha de D’Artagnan”. 


Na Biblioteca do convento, a farmacêutica reencontra uma amiga de liceu, Teresa Amaral
 
Para Fernanda Maximiano, «Mafra tem um encanto especial». O complexo está ligado à própria condição de mãe, onde baptizou na Basílica os seus dois filhos. Nascida e criada em Sintra, a guia destes dias vive no concelho desde a abertura da farmácia no Sobreiro. Por sugestão sua, aconselha-se a visita à Biblioteca do palácio. Com cerca de 30 mil volumes, está aberta a estudiosos e investigadores. Por coincidência, à frente da Biblioteca está Teresa Amaral, amiga da farmacêutica desde o tempo do Liceu Nacional de Sintra. Um encontro feliz com direito a testemunho fotográfico.


Tapada de Mafra

Os quilómetros feitos no convento e palácio preparam os cinco sentidos para o banquete na Adega do Convento, com Rui Silva e Nuno Costa aos comandos. A descoberta da tarde é vitela branca com esmagado de legumes a acompanhar. A fechar, o vinho Quinta de Sant’Ana, um licoroso de colheita tardia que harmoniza com o doce da casa feito de bolacha digestiva, queijo fresco, abóbora e amêndoa. Energias renovadas e segue-se uma espécie de safári pela Tapada de Mafra.

Concebida em 1747 com o fim de dar uma envolvente ao monumento e ser um espaço de caça para o rei, a Tapada Nacional de Mafra servia também para providenciar água e lenha ao palácio. Indiferentes à história do lugar, centenas de animais com a fisionomia do Bambi pastam por ali alheios à presença humana. Adivinham-se águias de Bonelli a sobrevoar o céu azul, assim como se imagina que morcegos de Bechstein saiam da toca debaixo de um céu estrelado. Ambos estão em vias de extinção e vivem em total liberdade neste habitat.


Aldeia Típica José Franco​

Mais antiga que a farmácia de Fernanda Maximiano é a Aldeia Típica José Franco, situada no Sobreiro. O neto, Pedro Batalha, lembra que o avô, oleiro de profissão, reproduziu em miniatura as aldeias do concelho. Nos anos 60, o casal de escritores brasileiros Jorge Amado e Zélia Gattai encantou-se com esta aldeia em miniatura, que reproduz os costumes da zona saloia. Ficaram amigos para a vida. Já a aldeia típica tornou-se ao longo do tempo um local de paragem obrigatória. Até vende o afamado pão da região.

Depois há o mar. Ao todo são 11 quilómetros de costa. Da Foz do Lizandro à Praia da Calada. Ali houve sete ondas de classe mundial para a prática do surf e não é por acaso que, desde 2011, quatro quilómetros foram classificados como Reserva Mundial de Surf. De São Lourenço à Pedra Branca, passando pela Praia dos Coxos ou Ribeira D’Ilhas.


Centro de Interpretação da Reserva Mundial de Surf da Ericeira

O mar azul torna o concelho paragem obrigatória para degustar peixe e marisco, como se verifica ao almoço no Restaurante Sul, praticamente com o pé no oceano Atlântico. O Centro de Interpretação da Reserva Mundial de Surf da Ericeira, no Largo Jogo da Bola, deve ser incluído no rol de visitas e decerto abrirá o apetite.

A protagonista do espaço é uma mesa interactiva que explora a reserva através de quatro temáticas centrais: biosfera, ondas, comunidade e logística. Uma autêntica enciclopédia, que engloba todas as espécies da região – fauna e flora – e ainda testemunhos de surfistas. Um deles, Tiago Pires, convida o público a tornar-se ecologista e a proteger a biodiversidade local.
 
No Restaurante Sul, pregado grelhado com açorda de ouriços do mar fecha o périplo por uma região onde a história local se costura com a história do país.


O fim do dia no lugar de onde a família real embarcou para Inglaterra, a 5 de Outubro de 1910​

A começar em D. João V, que lhe conferiu a grandeza que resiste ao passar dos séculos, ao embarque da família real na Ericeira, no dia 5 de Outubro de 1910. Narrativas não faltam nesta região onde a uma surfada no Atlântico ou a um trilho pedestre na Tapada de Mafra se deve associar uma aula de história portuguesa.
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