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11 março 2017
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

O segredo da boina

​​​​​​​​​​​​​​​​​​Luís Filipe Borges fintou o preconceito.

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Chegou aos 21 anos sem saber que a “neve” que lhe caía da cabeça, sobretudo quando ficava mais ansioso, era um sintoma de psoríase. Estava um homem feito, a frequentar a Faculdade de Direito, em Lisboa, quando, numa consulta de dermatologia, o médico lhe deu o veredicto. Recebeu a notícia com naturalidade.

«Habituei-me à ideia de que até tinha sorte», desdramatiza Luís Filipe Borges, conhecido por apresentar talk shows como ”A Revolta dos Pastéis de Nata“ e, mais tarde, o ”5 Para a Meia-noite“, ambos na RTP2. «Afecta-me o couro cabeludo; em situações particulares, as extremidades: os cotovelos e, uma vez ou duas, também os joelhos. Chegou a acontecer-me nas dobrinhas do nariz. Mas habituei-me à ideia», diz ele.

Não que mostre ao mundo esta doença auto-imune que provoca manchas pelo corpo todo e para a qual não existe cura (mas lá iremos). Usa boina desde a faculdade. O açoriano deixou Angra do Heroísmo aos 18 anos para estudar Direito em Lisboa. Defender um caso perante os jurados parecia-lhe semelhante a actuar perante uma plateia. «Comecei a gostar muito de chapéus por causa das fases piores da doença. Às vezes, dá imenso jeito. Lembro-me de ir ao barbeiro e ser quase uma atracção zoológica. E isso é um pouco irritante… Uma pessoa não vai passar o resto da vida a explicar: “Não, isto não é caspa, é psoríase, assim e assado“». O chapéu dá-lhe muito jeito, especialmente em alturas de ansiedade e tensão, quando sofre crises mais agudas. «Hoje, por acaso, só tenho gorro por causa do frio», ri, bem-disposto.

Mas nem sempre encarou a psoríase com tanta leveza, reconhece. O adolescente Luís Filipe Borges sofreu as consequências da diferença. E de uma forma agressiva até. Conta ele: «Durante toda a minha adolescência, eu tinha a cabeça cheia de uma coisa que parecia caspa, o que é ideal para todos os candidatos a bullying». Na escola, provocavam-no, gozavam-no. «Levava uns “calduços” para verem nevar na minha cabeça. Quando se é miúdo, é muito desagradável…».



Hoje relativiza: «Muito sorte tive eu, não era uma coisa que me impedia de ir à escola». Naquele tempo, porém, era difícil ignorar. «Era chato. A diferença cria sempre essa espécie de engulhos… É uma parvoíce, não é? Às vezes as crianças conseguem ser muito cruéis. Provocava vergonha, que nessa idade é chata porque a nossa personalidade não está formada e somos mais sensíveis ao sucesso ou insucesso da integração num grupo».

Porém, e apesar de admitir que influenciou a forma como se via a si próprio – «Na adolescência uma pessoa fica mais tímida, sente-se posta de parte… não ganha propriamente confiança para ir falar com as meninas…» – as marcas que o preconceito lhe deixou «não foram indeléveis». «Felizmente, tive e tenho pais que foram magníficos educadores. A minha mãe ensinava-me sempre a ver que podia ser pior. Era um bocado, para usar uma expressão inglesa: “Suck it up and grow up”. “Aguenta porque vais perceber que isto não é nada de especial”».

O tempo veio dar razão à sabedoria materna. À medida que foi crescendo, Luís foi-se tornando mais seguro – de si próprio e da doença. «Agora é muito mais conhecida. Encontro inclusivamente pessoas no meu meio que têm o mesmo problema e partilhamos experiências». Também aprendeu a ter perspectiva: «É um incómodo, mas se este for o único problema de saúde que eu tiver para o resto da vida, fantástico».

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​Pelo caminho, aprendeu também a controlar a doença. Em miúdo percebeu que «não acontecia sempre, havia fases muito, muito intensas, com o couro cabeludo escamado». Era uma questão de gestão da ansiedade. Mas não só. 

Além de ter começado a utilizar a boina que se tornaria, na televisão, a sua imagem de marca (ficou conhecido como o ”Boinas“), na faculdade, quando percebeu que a psoríase não tinha cura, procurou os produtos adequados. No seu caso, um champô. «Ao fim de muitas tentativas, com todo o tipo de champôs diferentes, lá encontrei um que resulta muitíssimo bem. Quando acaba, noto logo que fico mais susceptível aos efeitos da psoríase».

Aos 40 anos até o efeito sobre o cabelo é secundário: «destrói mais rapidamente a raiz capilar». «Tenho outras preocupações», remata Luís Filipe a rir.

Actualmente dá a cara pela doença de pele. Utiliza a visibilidade de que goza enquanto figura pública: «Acho que é uma função, uma responsabilidade dupla. Para já, acho que uma pessoa que tem o mínimo de visibilidade deve aproveitá-la para causas que valham a pena. Tendo eu psoríase, tenho dupla responsabilidade, não é? Não vou esconder, não me sentiria bem comigo mesmo se não aproveitasse a oportunidade de esclarecer e de apoiar. Não é sequer um esforço».

 


Até porque considera «gritante» o preconceito contra pessoas «com casos mais graves, que chega a ser impeditivo. A reacção negativa da sociedade e o ostracismo são evidentes. Causa, aliás, distúrbios psicológicos muito complicados». Acredita, porém, que as novas gerações são «mais informadas e mais sensíveis… Isso tem sido um pequeno triunfo da civilização, há uma maior tolerância, penso eu».

Luís Filipe Borges, que tem entre os seus planos mais queridos a paternidade – «pelo menos a semente este ano» – é um homem realizado. Tem uma peça de teatro e um filme na forja, e vai-se dividindo entre a coordenação do ”5 Para a Meia-Noite“ e as aulas de escrita criativa.

A psoríase não o impediu de nada. E ele acabou por perceber que a alimentação e as horas de sono fazem toda a diferença. Há cerca de três anos, começou a frequentar o ginásio, cerca de cinco vezes por semana. Perdeu 20 quilos, reduziu as crises.

Hoje, aos 40, está a viver uma espécie de «fenómeno Benjamin Button»: «Estou muito mais em forma do que aos 25». Mais: vai retardar os efeitos do tempo enquanto puder. Sempre de boina.
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