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28 outubro 2016
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

O príncipe da medicina visto pelos farmacêuticos portugueses

​m​​Um homem “extraordinário”. É assim que o neurocirurgião João Lobo Antunes é lembrado. 

«Era um homem absolutamente extraordinário. Um grande médico, grande cirurgião e, ao mesmo tempo, um homem da cultura, que tinha uma preocupação muito grande em relação à bioética», descreve Carvalho Guerra, professor de Farmácia da Universidade do Porto, explicando que esta preocupação se traduzia nas «responsabilidades [de João Lobo Antunes] nas neurociências». O farmacêutico conviveu de perto com o neurocirurgião e elogia-lhe, sobretudo, «as capacidades científica, de comunicação e cultural». «No Conselho para as Ciências da Vida, onde também estive quatro anos, a sua importância foi, é, e será sempre lembrada como algo de extremamente correcto, importante e eficaz. Ele tinha noções muito claras da importância da bioética dentro das profissões e na vida de cada um de nós», diz ainda o professor.

A humanidade é um dos adjectivos que a Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos escolhe para definir o neurocirurgião. «O professor Lobo Antunes foi também uma referência humana. Uma referência de solidariedade, de compaixão, valores que estão muito associados àquilo em que sempre acreditou, escreveu e disse publicamente sobre o papel do médico e da medicina na vida das pessoas», sublinha Ana Paula Martins.

«O país ficou mais pobre por ter perdido um dos seus filhos mais ilustres, como ficaram mais pobres a medicina, a investigação e a saúde», lamenta também a professora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa Odette Ferreira. «Sempre o admirei pelas suas qualidades profissionais e pessoais. Era um homem educadíssimo, afável no trato, inspirando o respeito e a admiração em todos os que com ele conviviam. Além do grande cirurgião que era, admirava-o por ser um grande senhor», diz ainda a investigadora. 

“Foi um dos grandes portugueses do seu tempo, mostrando que não há fronteiras entre a medicina, a cultura e a cidadania”, considera, por seu lado o presidente da Associação Nacional das Farmácias, Paulo Cleto Duarte. «Era uma daquelas pessoas que ouvimos, em que nos revemos, nos valores, na forma de estar na vida, na simplicidade, na ambição. [Ele] era uma pessoa especial, um modelo, como pessoa, como profissional, como cidadão».

Ana Paula Martins lembra que João Lobo Antunes «Tinha uma escrita muito clara, inclusiva. No livro "​A Nova Medicina", aborda aquilo que é a evolução da medicina, mas também da medicina que integra os outros profissionais. Ele tinha a preocupação de identificar as outras opiniões».

Distinguido com o Prémio Pessoa em 1996, por ser um «renovador e intérprete da tradição médica humanista», o neurocirurgião João Lobo Antunes, antigo presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, morreu esta quinta-feira, 27 de Outubro, vítima de um melanoma. 
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«Apesar do progresso, e ainda mais numa especialidade altamente tecnológica como a minha, nunca vi, não conheço arma nenhuma, de qualquer natureza, seja medicamentosa seja instrumental, que faça anular a necessidade da compaixão». 
João Lobo Antunes in revista E, 2015

«Enquanto as mãos me obedecerem e o cérebro souber mandar, vou continuar.»
João Lobo Antunes, na última aula na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Junho de 2014

«Diria que foi a experiência da doença que me tornou mais sensível. Como se tivesse esticado a corda do violino e esta vibrasse ao menor toque, com maior intensidade e frequência. Por isso, mais do que uma mudança sofri uma evolução, que introduziu outra doçura na relação com as pessoas.»
João Lobo Antunes in revista E, 2015

«Se entrar por aquela porta alguém com um problema complicado, como um tumor cerebral, eu com maior ou menor dificuldade ou sucesso sei o que fazer. É uma liberdade única, a liberdade de voar.»
João Lobo Antunes in revista E, 2015

«Sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão.»
João Lobo Antunes in «Ouvir com outros olhos» Editora Gradiva

«A minha alma? Deixe-me pensar. Eu, eu tenho uma relação pacífica com a minha alma, damo-nos bem. Para lá da alma, há outra entidade, que não sei onde está ancorada, outra maneira de sentir e de pensar. Muitas vezes assisto ao diálogo destas duas entidades que co-existem dentro de mim. Diria que a alma tem camadas mais profundas, os braços mais largos.»​
João Lobo Antunes in Diário de Notícias, 2001