Ganhou mais visibilidade como Reitor da Universidade Nova de Lisboa e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Médicas, mas nem toda a gente sabe que estudou Medicina. Ser médico foi sempre a sua vontade?
RFP: Interessavam-lhe outras áreas?
AR: Sim, a minha área de estudo era as doenças respiratórias. Contudo, a minha vocação foi sempre mista, entre a Medicina e a Investigação. Entrei na faculdade em 1966, numa altura em que se começava a dar grandes passos na investigação biomédica. Fascinavam-me os modelos de Watson e Crick do ADN, o código genético, as aplicações da Biologia à Medicina… Por isso, embora querendo ser médico, e tendo percorrido esse caminho, tive sempre a preocupação da Medicina ligada à investigação biomédica.
Quando acabei o curso, em 1972, metade dos colegas escolheu fazer o na altura chamado “estágio da prática clínica”, em Santa Maria, outra metade, na qual me incluí por considerar que tinha necessidade de treino clínico, foi para os hospitais civis. Entretanto, candidatei-me a uma bolsa da Fundação Gulbenkian, ganhei, e fui para Londres fazer investigação em circulação pulmonar. Mas repare: não fui para um instituto de investigação, fui para o Royal Brompton, que era o hospital das doenças do tórax. Estive lá seis anos.
RFP: Encontra uma realidade completamente diferente no Reino Unido.
AR: Sem dúvida. Dou-lhe um exemplo disso, muito evidente: na equipa, em Londres, era eu a pessoa que falava com os doentes no sentido de obter o seu consentimento informado. Acontece que esta figura, em Portugal, não existia! Cá, nós praticávamos os mais variados actos médicos nos doentes sem necessidade do seu consentimento. A Medicina portuguesa era já muito boa, mas do ponto de vista das técnicas, da relação médico-doente e da ética, estava, de facto, muito atrasada.
RFP: Do seu currículo faz ainda parte uma passagem pelos Estados Unidos da América.
AR: Sim. Doutorei-me bastante cedo e tive a enorme sorte de estar no Departamento de Patologia Experimental do Brompton quando a minha supervisora foi convidada a ir para Harvard, dado que metade da equipa seguiu com ela. Eu não tinha feito planos para ir para os Estados Unidos, mas fui. Foi um privilégio.
RFP: Regressa a Portugal no ano seguinte, à Faculdade de Ciências Médicas, mas interrompe a carreira docente para dirigir o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).
AR: Sim, e logo eu que tinha dito, à partida, que não iria mudar de área! Mas havia ali um desafio muito importante, que passava pela integração do IHMT na Universidade, pelo que durante três anos praticamente só fiz isso. Veja: o Instituto vinha de um passado recente de per- tença ao Ministério do Ultramar, as pessoas estavam muito desanimadas, sem um rumo definido… Costumo dizer que ajudei a que aquilo que não acabasse. Hoje, felizmente, está integrado na Nova e é uma grande instituição de investigação ligada aos países tropicais. Entretanto, voltei à faculdade e julgo que a partir daí as coisas foram acontecendo naturalmente, até chegar a director.
RFP: Que tipo de director foi?
AR: Eu sou alguém que arruma as coisas. Ou seja, a minha preocupação não é no sentido da cristalização, mas de chegar aos sítios, encontrar a ordem das coisas, reforçar a organização das instituições e projectá-las para o futuro. É muito isso.
RFP: E a investigação, onde é que se encaixou?
AR: Não se pode fazer tudo ao mesmo tempo, não é? A disponibilidade que tinha para dedicar à minha própria investigação foi ficando, infelizmente, cada vez mais curta. Mas ainda mantive a parte do ensino e fui doutorando sempre outras pessoas. Uma coisa que aprendi desde sempre com os meus pais foi que temos de estabelecer prioridades. A pessoa tem é que ser muito boa naquilo que faz, e quando não o é, deve ter a seriedade para dizer a si mesma: não posso ser bom em tudo. Eu acho que a formação científica é uma cultura. Eu adquiri essa cultura quando me doutorei, quando fiz investigação e quando, com 30 anos, submetia projectos, por exemplo aos National Institutes of Health (NIH). Podia ter seguido esse caminho, mas escolhi outro e fi-lo conscientemente, não tenho regrets. Mas a cultura ficou e uso-a muito na parte da gestão, disciplina em que não tenho, feliz ou infelizmente, nenhuma formação.
RFP: Essa escolha trá-lo à Universidade Nova de Lisboa. Que avaliação faz destes nove anos como reitor?
AR: Julgo que a Nova está a seguir o seu caminho. Quando olho para os resultados dos últimos dois anos, só posso ficar satisfeito: a Nova ficou em primeiro lugar no concurso nacional de acesso [ao Ensino Superior], é a universidade portuguesa que está mais bem colocada no ranking de Leiden, somos a única que está no QS com menos de 50 anos [ranking que avalia universidades com menos de meio século de existência].
RFP: Lá fora não falta reconhecimento.
AR: Sim, sim, a Nova é bastante internacional. Gostava que fosse ainda mais, que tivesse mais alunos do primeiro ciclo, mas isso vai demorar algum tempo. Agora, do ponto de vista do reconhecimento, nós somos das universidades mais internacionais. Mas muitas são, muitas são! Aquelas que são competitivas conseguem fazer isso!
RFP: O percurso é desafiante?
AR: O percurso devia ter outro enquadramento. Não gosto nada de dizer que dependemos de um Governo, acho que as pessoas devem ser autónomas. Em França há uma coisa que se chama o Campus France, em Inglaterra há o British Council... Nós, em Portugal, não temos nenhuma organização do género. Estamos a confrontar-nos com parceiros que andam nisto há muito mais tempo e que têm recursos incomparavelmente superiores aos nossos. Agora, o que é muito gratificante é essas universidades nos aceitarem como parceiros. Não como dependentes, mas como pares.
RFP: Seria mais fácil crescer se se tivesse avançado com a criação de um consórcio das universidades de Lisboa?
AR: Eu olho para o caso do Norte e vejo ali uma coisa inteligentíssima, que foi a criação da UNorte para a mobilização de recursos, juntando as Universidades do Porto, do Minho e de Trás-os-Montes e Alto Douro. Mas as grandes capitais têm sempre esse drama. Madrid, por exemplo, tem o mesmo problema. E a situação em Lisboa é complexa por uma outra razão, que ultrapassa as universidades: é que nós não temos acesso a fundos estruturais. Estamos fora da zona de convergência. Ora, alguém vai ter que chamar a atenção de quem distribui os fundos que em Lisboa se concentra uma grande parte dos serviços. Isto é como os carros: podemos saber conduzir, mas se não houver gasolina no automóvel vai ser muito difícil chegar aos sítios.
RFP: Sente que o actual momento político, com um novo Governo, pode potenciar essas sinergias?
AR: Sou muito ambicioso em relação ao novo ministro. Sou amigo dele, acho que é uma pessoa muito competente, tenho imensas expectativas em relação àquilo que ele possa vir a fazer e julgo que ele está no bom caminho. Acho que, em relação à Ciência e ao Ensino Superior, a situação é muito favorável.
RFP: Não ficaram feridas susceptibilidades no processo de fusão da Universidade de Lisboa com a Universidade Técnica?
AR: A Nova tem o seu caminho. Nós estamos no processo de passagem a fundação. Espero, no final deste ano, apresentar ao Governo esse documento. Vamos ser, juntamente com o ISCTE, a única universidade na zona de Lisboa que é fundacional e espero aproveitar isso para que a Nova possa até ser uma boa aliada, se a questão se puser. Agora, se é importante que haja colaboração em Lisboa? Não tenho qualquer dúvida. Disso eu não tenho qualquer dúvida e espero que, mais tarde ou mais cedo, isso possa vir a acontecer.
RFP: O seu mandato termina em 2017. Sente que deixa um legado?
AR: Acho que não há legados. Há uma construção. Relaciono sempre a imagem do arado a quem está nestes lugares públicos, porque o arado rasga a terra onde outros, que vêm depois, podem plantar batatas, couves, ervilhas… o que entenderem. O que é muito importante é que haja um rumo. Nesse sentido, penso que ajudei a Universidade Nova a recentrar o seu rumo como instituição internacional, competitiva, diversificada.
Conto-lhe só um pequeno episódio para ilustrar. Uma das coisas em que me empenhei muito foi na construção de um grande laboratório de investigação biomédica, no Campo de Santana. Levou muitos anos a conseguir, foi uma história complexa. Mas quando os jovens investigadores que lá estavam me vieram perguntar se eu ia escrever História, eu disse-lhes: não, quem vai escrever História são vocês, fazendo boa investigação, nos próximos 20 anos. Eu acho que é isso: o legado vai ver-se com o tempo.