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29 abril 2017
Texto de Rita Leça, enviada especial a Buenos Aires Texto de Rita Leça, enviada especial a Buenos Aires Fotografia de Paola Gallarato Fotografia de Paola Gallarato

O Papa é de Flores

​​​​​​​​​​​​​V​iagem à infância de Jorge Bergoglio.

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José Maria Caruso, 62 anos, lembra-se bem do seu bairro de antigamente e de como as coisas mudaram. Cresceu em Flores, bairro humilde de Buenos Aires, capital da Argentina, lugar que viu crescer Jorge Mario Bergoglio, agora Papa Francisco. «Quando vivi aqui ele já era padre, mas joguei à bola na mesma praça que ele, numa altura em que todas as crianças brincavam na rua, as pessoas deixavam as portas abertas e não havia a insegurança que há hoje», conta-nos.

Agora, há quase um polícia em cada esquina, o que, mesmo assim, não impediu a morte de uma pessoa na semana anterior à nossa visita. «As pessoas têm medo. Se olhar à volta, só vê casas com as persianas fechadas». Trancas nas portas que nos impediram de falar com mais pessoas do bairro onde, a 17 de Dezembro de 1936, nasceu Jorge Mario Bergoglio, o primeiro de cinco filhos de Mario Bergoglio Vasallo, imigrante italiano e trabalhador ferroviário, e Regina Sivori Gogna, doméstica, nascida em Buenos Aires, com pais genoveses.

«A maioria das pessoas que vive aqui não é desse tempo», sublinha Sílvia Torre, 52 anos, dona da imobiliária Odon Torre e Hijo Propriedades, uma das casas mais antigas de Flores, fundada pelo seu avô. «O bairro mudou muito, a maior parte dos negócios antigos já não existe». Exemplo disso é a antiga farmácia do bairro, hoje transformada num café que, no entanto, ainda conserva algumas relíquias do passado.
 
Outra das mudanças foi a enchente de turistas que assolou o pequeno bairro quando Bergoglio foi nomeado Papa, a 13 de Março de 2013. Algo que não representou mais comércio: «Vêm nos autocarros do tour [onde se visita os principais locais da vida de Bergoglio] ou a pé, perguntam pela casa, mas não compram nada», explica Sílvia.

No bairro, há placas a indicar os locais mais importantes: a casa onde viveu, onde nasceu, a escola primária, a praça Herminia Brumana onde brincava com amigos. «Ele não era muito bom a jogar futebol. Só o chamávamos quando faltava alguém», recorda Osvaldo Devries, amigo de Alberto, irmão do Papa. «Sempre que ia lá a casa estudar com o Alberto, ele recebia-me de forma simpática e amável. Gostava de ler e de conversar, mas futebol não era com ele!», acrescenta, rindo. Osvaldo contou-nos que a família Bergoglio mudou-se depois para outro bairro, Boedo, e foi aí que o Papa se tornou adepto do San Lorenzo, um dos cinco grandes clubes do país.



«A casa de Flores era típica daquela altura, de um andar e com um pátio interno, onde havia uma mesa de madeira grande e redonda, na qual eu e o Alberto fazíamos trabalhos da escola. Lembro-me perfeitamente, como se fosse hoje», diz Osvaldo, para quem toda a família era «simpática», apesar de «discreta».

Também na centenária escola primária Pedro Cerviño, a poucos metros de distância da casa de infância, Bergoglio não é esquecido. «Somos conhecidos por ser a escola do Papa. As crianças dizem isso muitas vezes, orgulhosas. E é muito importante, porque dá esperança aos nossos alunos, cuja maioria vem de famílias humildes dos bairros sociais», sublinha a directora, Roxana Dominguez, que sempre se emociona quando fala da carta «tão afectuosa» que Bergoglio lhe escreveu. «Ele lembra-se do nome de todos os seus professores». Aqui, há até um tango para o Papa que as crianças cantam nos dias festivos, escrito por Eduardo Lach, ex-colega de turma de Bergoglio, falecido no ano passado. No seu tempo, era tudo diferente: turmas só de meninos, com mesas individuais de madeira e apontamentos escritos a pena. Bergoglio raramente faltava e nunca reprovou.

Dos quatro irmãos de Bergoglio só está viva Maria Elena, que vive em Ituzaingó, na província da capital. Em Flores, está também Amália Damonte, que, quando “Jorgito”, como era conhecido no bairro, foi escolhido para Papa, anunciou ter sido sua namorada aos 12 anos. Bergoglio terá dito mesmo, perante a recusa de Amália: «Se não me caso contigo, vou para padre». A irmã desmentiu o romance, que se baseava essencialmente em troca de cartas, mas a fama ficou.

Quem ainda hoje troca cartas com o Papa Francisco é Gabriel Marronetti, padre da Basílica de San José de Flores, que conhece Bergoglio há mais de duas décadas. «Escreve-me todos os anos, com aquela letra pequenina», comenta, sorrindo.



Foi naquela igreja que Bergoglio, com 17 anos, sentiu o chamamento para seguir a vida religiosa. Aos 21 anos, partiu para o seminário jesuíta de San Miguel, onde passou 12 anos a estudar para se tornar padre. Mais tarde, assume o lugar de mestre dos jesuítas, em plena ditadura militar no país. Em 1992, o Papa João Paulo II nomeia-o para bispo auxiliar de Buenos Aires e, praticamente seis anos depois, toma o lugar de Arcebispo da mesma cidade.

Uma ascensão que em muito se deveu à sua habilidade – o adjectivo mais comum quando nos tentaram descrever Bergoglio. Ora se sublinhou uma habilidade engenhosa – «Ele nunca se ria em privado, só nos eventos de rua», lembra Ma​rronetti – ora uma capacidade para chegar ao coração de todos. Exemplo disso foi a visita de Francisco a Israel e à Palestina com o rabino Skorka e o líder islâmico Omar Aboud.

«Foi um momento único. Três líderes de religiões diferentes no mesmo abraço no Muro das Lamentações», recorda o rabino Abraham Skorka, que fez um programa televisivo de conversas com Bergoglio, quando este era arcebispo de Buenos Aires.

Quem parece seguir os passos do Papa é Ernesto Giovando, actual bispo Auxiliar de Buenos Aires, nomeado para o cargo por Bergoglio. Ao saber que o visitávamos por ocasião da visita de Francisco a Fátima, o b​ispo disse: «Trabalho também no primeiro santuário de Nossa Senhora de Fátima na Argentina. Está situado num bairro social e foi feito para os emigrantes portugueses, nos anos 50. Se quiserem, levo-vos lá». E fomos.


O médico chinês que curou Bergoglio​

«Antes de começar o tratamento, ele tirou a camisa e apenas vi uma camisola interior cheia de buracos, por ser tão velha. E usou sempre o mesmo relógio durante os oito anos em que fui seu médico!». A surpresa surge de Liu Ming, monje taoísta chinês e mestre de acupunctura, perante a austeridade de Bergoglio. Liu Ming visitou Bergoglio todas as semanas na Catedral Metropolitana de Buenos Aires, em frente à mítica Praça de Maio e Casa Rosada, desde 2004 até 2013, quando Bergoglio se mudou para Roma.

«O seu principal problema era o coração. Mais uns meses e teria de ser operado. Caso contrário, morreria», conta o médico, sublinhando: «Ele guarda tudo dentro de si, tem muitos problemas e preocupações. Isso repercute-se depois na saúde».

Liu Ming continua atento à saúde do líder da Igreja católica, garantindo que, agora, «o Papa está bem». Diz que tem muitos pacientes relacionados com a Igreja e acredita que a acunputura é cada vez mais aceite na Argentina e no mundo.

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