Devíamos ouvir mais o Presidente da República.
Na inauguração das novas instalações da Farmácia da Lajeosa, o chefe de Estado fez uma proclamação política crucial sobre o sistema de saúde, que infelizmente não passou nas notícias.
Marcelo Rebelo de Sousa disse algumas verdades duras como pedras.
Lembrou que somos um país cada vez mais desequilibrado e envelhecido.
Lamentou a existência de vários «portugais esquecidos» e de «cidadãos de segunda, terceira e quarta» categorias.
Gritou “basta” ao encerramento de serviços de saúde de proximidade.
E proclamou o direito das crianças que nascem no Interior a crescerem, terem emprego e serem felizes nas suas terras.
Eu, que nasci na aldeia de Leomil, Moimenta da Beira, sinto-me reconhecido. Como cidadão e farmacêutico, não posso aceitar que o local de nascimento se tenha juntado à condição económica como factor de desigualdade no acesso à Saúde.
Na Saúde, está a faltar-nos tudo.
Faltam profissionais. É evidente que não foram contratados em ordem a evitar o colapso operacional dos hospitais depois da redução do horário de trabalho para 35 horas.
Falta financiamento. A despesa pública per capita com a saúde em Portugal é menos de metade da média da União Europeia, o que é insustentável e escandaloso.
Falta ambição. O Ministério da Saúde comunicou à revista Visão, de 4 de Julho, ter «desenvolvido um plano de acção para melhorar o acesso ao SNS, que tem como objectivo que, no final de 2019, nenhum utente esteja à espera há mais de um ano [sic] por uma primeira consulta hospitalar».
Falta accountability. O Programa do Governo previa o direito dos doentes com VIH-sida e doenças oncológicas a poderem optar por ser seguidos nas suas farmácias comunitárias. Na realidade, continuam a ser forçados a perder dias inteiros, em viagens pelo país, para irem levantar esses medicamentos aos hospitais.
Falta planificação. Uma auditoria do Tribunal de Contas denuncia “marcadas assimetrias regionais no acesso a consultas hospitalares e cirurgias, e nos tempos de espera associados, que traduzem desigualdades no acesso a cuidados no SNS”.
Faltam equipamentos, faltam obras de manutenção, faltam meios de diagnóstico, faltam medicamentos. «O SNS está ligado ao ventilador», como diagnosticou o bastonário da Ordem dos Médicos.
O Presidente da República alerta, os profissionais denunciam, os doentes sofrem na pele a dura realidade.
No discurso oficial parece que nada disto está a acontecer, ou tem grande importância. Mohammed al-Sahhaf, o célebre ministro da propaganda do Iraque, ainda tem fiéis em Portugal.
O problema é que o tempo arrasa a propaganda e as suas estátuas.
Quando a realidade desabar sobre a política, poderá ser tarde demais para salvar o que resta de um país equilibrado, com a sua rede de centros de saúde, consultórios e farmácias de proximidade, a servir de forma articulada cidadãos de primeira categoria.