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16 novembro 2017
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

Maratonas ao postigo

​​​​​​​​​​Os utentes saem satisfeitos com a medicação e o aconselhamento para aliviar as dores.

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Farmácia Confiança – Bragança

O ​ar está abafado. A noite impõe-se quente à madrugada que se avizinha. Tiago, 22 anos, entra na Farmácia Confiança. Traz pulseira amarela no pulso, rosto pálido e corpo contorcido. «Fui às urgências. Tenho uma gastrenterite. Agravou- se esta manhã», explica ao balcão.

A trabalhar em farmácia desde 1980, é João Paulo Silva, de 52 anos, quem está de escala. Cabe-lhe a ele aliviar o sofrimento nocturno, madrugada fora. «Vai tomar Primperan e um probiótico para a diarreia. Não se preocupe, vai ficar bem».

Tiago Oliveira permite-se um fugaz sorriso. «Vou muito mais descansado para casa. Para pessoas que, como eu, estão doentes, é um alívio ter a farmácia a funcionar à noite para levar logo os medicamentos para casa. É uma questão essencial na vida das pessoas».

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Tiago Oliveira ainda vinha com a pulseira amarela do hospital. Saiu aliviado

Localizada na Avenida João da Cruz, uma das mais movimentadas ruas da cidade, a Farmácia Confiança integra uma rede de farmácias do distrito de Bragança que vai experimentar o novo Serviço Nacional de Assistência Farmacêutica (SAFE). Este projecto, desenvolvido pelo Ministério da Saúde e pela ANF, pretende aumentar o acesso a medicamentos urgentes durante o período nocturno, com a possibilidade de dispensas ao domicílio.

João Paulo tem 25 anos de experiência no atendimento nocturno e está ansioso para participar no projecto- piloto. «O SAFE vai trazer mais conforto ao utente. Este rapaz, por exemplo, estava em sofrimento. A meu ver, é o tipo de situação em que era importante nós podermos ir levar o medicamento a casa», refere o técnico de farmácia. A Farmácia Confiança está de serviço permanente de oito em oito dias. «A disponibilidade no período nocturno é fundamental. Sem uma farmácia de serviço, o utente sairia do hospital e, em vez de começar logo a tomar a medicação prescrita, teria de esperar até ao dia seguinte», expõe Maria José Genésio, farmacêutica substituta da directora-técnica.

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Maria José Genésio, farmacêutica, assegura o atendimento com dedicação

Faltam poucos minutos para as 22 horas. «Está na hora. Vou fechar a porta!», atira, em tom imperativo, João Paulo. O fecho é, no entanto, interrompido. Chega um homem de 40 anos, muito queixoso. O motivo? «Fiz uma lesão a praticar desporto», conta Carlos Baptista. Quer uma pomada analgésica e anti-inflamatória. Atrás do balcão, João Paulo gesticula para exemplificar a correcta aplicação do medicamento. «É sempre bom podermos ter informação especializada. A tendência natural é aplicar a pomada à nossa maneira, quase sempre errada», assume o utente, empresário do ramo imobiliário.

O Hospital Distrital de Bragança fica a dois quilómetros, mas muitos utentes aparecem sem passar pelas urgências. «O meu caso não é grave, mas estou com dores. Com a aplicação da pomada já vou passar melhor a noite», refere Carlos Baptista. Depois de efectuar mais seis atendimentos, João Paulo puxa, finalmente, as persianas para baixo e fecha a porta. São, agora, 22h55. No exterior, uma placa informativa relembra duas regras do estabelecimento: “Tocar à campainha só em situação de urgência. Multibanco fora de serviço”. 

Hoje só vesti calças por causa da vossa reportagem. Normalmente, visto calções. É mais confortável para estar aqui». Sem grande demora, o som da campainha faz-se ouvir. «Boa noite. Diga, se faz favor», solta João Paulo para a rua. Ouve-se uma voz feminina. «Desejo aspirinas Griponal, se faz favor».

João Paulo ouve o pedido e de imediato acelera o passo. «Bolas! Só tenho moedas», desabafa, enquanto conta o troco a dar à utente. Do postigo ao balcão de atendimento, da 'caixa' às prateleiras deslizantes, percorre metros e metros numa passada veloz, digna de pista de atletismo. Ou não fosse ele um… atleta. «Já sou maratonista. Só a partir da quinta é que se é considerado maratonista. E eu já fiz cinco», revela, orgulhoso. Nos dias de folga e nas horas livres dedica-se à corrida. Já é atleta há 17 anos, desde que deixou de fumar. «Normalmente, quem 'faz noite' descansa no dia seguinte. Eu aproveito para dar a minha corrida. Olhe, descanso a correr!», atira o técnico de farmácia, entre gargalhadas.

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João Paulo Silva passa as noites de serviço a ler e a correr de um lado para o outro

​Ainda a fechar o postigo, a campainha volta a tocar. «Desconfio que hoje vou ter uma noite terrível. Está muita gente a vir à farmácia». É sexta-feira e também por isso a procura dispara. É ainda dia de mercado municipal. «As pessoas das aldeias vêm à feira e aproveitam para vir ao médico e à farmácia». Nos outros dias não há tanto movimento. «Diria que fazemos uns oito a dez atendimentos entre a meia-noite e as oito da manhã», esclarece o técnico de farmácia. Nas horas a seguir ao jantar há um pico de serviço. «Das dez à meia-noite. Aí sim, temos 20 a 30 atendimentos».

Quando as noites ou madrugadas se fazem calmas, especialmente no Inverno, João Paulo finta o tempo com outra paixão: a leitura. Anda a ler “A Rapariga do Comboio”. «Este é um thriller policial, mas gosto especialmente de livros históricos». Dormir é raro. «Vou passando pelas brasas. Nunca durmo profundamente, isso não consigo».

Com ou sem atendimentos ao postigo, João Paulo nunca desacelera o passo. «Aqui há sempre que fazer». Nas pausas de leitura arruma medicamentos, verifica prazos de validade, deixa mensagens escritas à equipa que entrará de serviço na manhã seguinte. Corre muito. «De facto, aqui na farmácia também faço umas boas maratonas a andar de um lado para o outro. Admito que é cansativo, porque é a noite toda, mas faço-o com prazer». Quem corre por gosto não cansa, já dizia o ditado popular. E João Paulo já é um maratonista.​​​
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