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1 abril 2017
Texto de Rita Leça Texto de Rita Leça Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Eu era um poço sem fundo»

​​​​​​​​​​​​​​Pode um enfarte fazer bem à vida? Ele garante que sim e mostra como.

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​Revista Saúda – Fez agora 53 anos. Qual é a sensação e como comemorou? 
José Carlos Malato – Normalmente não comemoro. Tive uma vivência religiosa que não me permitiu festejar o aniversário durante muitos anos e isso ficou. Habitualmente, faço um jantarzinho, mas não dou muita importância. É um dia como outro qualquer. 

RS –  A verdade é que está mais elegante e parece mais jovem. 
JCM – Acho que estou com a idade correspondente. [risos] Fiz um bypass gástrico por indicação médica, tenho uma vida mais regrada​. Talvez isso resulte em melhor aspecto e ainda bem! Sinto-me bem e isso é que importa.​​

RS –  Quantos quilos emagreceu? 
JCM – Tinha 140 quilos e agora tenho 98, portanto emagreci 42 quilos​. Foi obra! 



RS –  Teve de renovar o guarda-roupa, imagino… 
JCM – Todo! É engraçado, tenho uma série de roupa enorme e as fotografias…  É curioso, lembro-me de algumas situações, mas tenho uma memória muito selectiva desse tempo. A percepção do corpo é realmente um mistério. Sinto-me bastante o mesmo, apesar de me ver tão diferente. 

RS –  Às vezes, é preciso apanhar um susto para sermos mais saudáveis? 
JCM – Não deveria ser assim, mas nunca consegui ter uma vida muito regrada. Sempre tive vários empregos, sou de uma geração que experimentou tudo, as drogas, as aventuras, as festas… Tudo o que era pioneiro, eu estava lá! [risos] Vivi tudo a 150%, era daqueles que nunca queria ir para casa. Era um poço sem fundo. O enfarte obrigou-me a parar e a repensar a minha vida. Obrigou-me mesmo, pois não era uma coisa que eu, sequer, quisesse muito. Mas tomei aquilo como um aviso sério. Aprendi a lição!

RS –  Sente saudades da vida boémia? 
JCM – Não. Foi um processo natural. Mudei de cabeça, também. Deixei determinados excessos. Hoje em dia deito-me cedo, se vou sair volto para casa mais cedo, tenho outro tipo de responsabilidades. Não se pode ser eternamente jovem e tenho 53 anos! [risos] Tinha de haver uma altura em que as coisas acalmavam. 

RS –  Há alguma coisa que tenha deixado de comer ou de fazer e de que sinta falta? 
JCM – Não! Faço tudo, mas em doses controladas. Como de tudo, tenho uma vida calma, dentro do que é possível nesta profissão. Não tenho grandes nostalgias. É que eu fiz muito de tudo. Não deixei, que me lembre, nada por fazer.

RS –  E toma medicamentos? 
JCM – Tomo muitos! [risos]​ Tomo um anticoagulante, um hipotensor, um comprimido para o colesterol, um protector gástrico, um antidepressivo… Contas feitas, tomo cinco de manhã e quatro à noite. Mas isso eu gosto! Gosto de tomar comprimidos! ​

RS –  Isso para um hipocondríaco… 
JCM – Deixei de ser. 

RS –  Não me diga! 
JCM – É verdade! As pessoas têm muito medo da morte, mas quando se está perante ela não é assim tão horrível. 

RS –  Depois do enfarte fez um bypass gástrico. Foi difícil tomar a decisão? 
JCM – Com o enfarte, tive a indicação da cardiologista para fazer um bypass gástrico, porque já estava perto de ter diabetes e tinha aquilo a que os médicos chamam um mal-estar geral. Apesar de não parecer, eu estava mesmo mal, até psicologicamente. No início, fiquei reticente com a cirurgia, li muitas coisas e vi vídeos no YouTube. Mas foi uma boa experiência e está a ser, sobretudo, uma boa vida.



RS –  Já passaram quase quatro anos… 
JCM – Sim, estou muito contente. Aconselho toda a gente que tenha a indicação para o fazer sem medo. Aconselho também, para as pessoas que estão à beira do abismo, um enfartezinho, mas pequeno! [risos] Para as pessoas não irem desta para melhor e para, a seguir, mudarem de vida. Há coisas que não valem a pena e, às vezes, só com um susto ou um abanão é que mudamos. 

RS –  Mas o problema do enfarte é que surge sem aviso. ​
JCM – No meu caso não surgiu sem aviso, eu andava a querer! Eu queria qualquer coisa que me fizesse parar um ciclo mais ou menos suicida. Para uma pessoa que come três pratos à refeição, fuma três maços de cigarros e trabalha 14 horas por dia, o que é que se pode esperar? 

RS – Também deixou de fumar? 
JCM – Sim, apesar de dar umas passas no cigarro electrónico nos momentos de maior stress​.

RS – E, depois, há o desporto. Vi-o há tempos no ginásio, numa reportagem televisiva, mas não me pareceu muito feliz… 
JCM – Não, de facto, eu não sou feliz no ginásio. Há pessoas que acordam cheias de energia, suam endorfinas. Falta-me isso! Nesse aspecto, os meus cães ajudam-me a mexer-me​. Também tenho uma máquina em casa onde faço algum exercício. Mas gravo três programas por dia, quatro dias por semana. Chegar a casa às 22h e ir correr? Não dá! 

RS – É apresentador do programa “A minha mãe cozinha melhor que a tua”. Lida bem com toda aquela comida? 
JCM – Sim. Tenho uma regra que é: não comer nada do que ali está. Claro que, às vez​es, penso: “Isto deve ser bom”, seja por curiosidade ou por não conhecer, e aí, confesso, vou lá. Mas é raro.

RS – Também vai dar a cara pela Maratona da Saúde, desta vez dedicada aos problemas cardíacos. É um programa da RTP de alerta e de apelo a donativos. Sente que faz a diferença? 
JCM – Vai ser espectacular! A Maratona da Saúde é importantíssima porque há muitas pessoas a morrer do coração. Desde o primeiro dia que estou envolvido e vale muito a pena! 

RS – Qual foi a principal lição que tirou de tudo o que lhe aconteceu? 
JCM – Bastava-me não ter feito tanto disto, tanto daquilo, para não ter acontecido. Claro que não é uma regra, mas o facto das pessoas estarem sempre a pisar o risco e isso ser fonte de prazer, é arriscado. Depois, há uma série de factores que, juntos, se transformam numa bomba-relógio aos 50 anos. 

RS – Recuperou a sua auto-estima? 
JCM – Eu não tinha auto-estima! [risos] Quando dizia que tinha uma auto-estima péssima, ninguém acreditava. Mas é verdade. Ter auto-estima é uma novidade. E é muito bom! Agora estou mais perto de ter momentos felizes e autênticos. Isso posso agradecer, curiosamente, ao enfarte, que desencadeou a minha vida nova. Encaro isto até como uma experiencia mística, como se fosse Deus, o Universo ou o que for, a chamar-me a atenção. Eu sabia que se continuasse era o fi​m. E agora estou aqui, óptimo!

 


Agradecimento: Restaurante Tricana da Barra, Carcavelos
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