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2 agosto 2019
Texto de Rita Leça Texto de Rita Leça Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Em causa própria

​​​​​​​​​​​​​​​Associações de doentes subscrevem petição para salvar as farmácias.

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Teríamos saúde se engolíssemos todos os fundos de garrafa de uma farmácia antiga. 

As palavras são do escritor francês, do século XIX, Victor Hugo. Se vivesse nos dias de hoje, o autor de “Os Miseráveis” e de “Notre-Dame de Paris” teria de prolongar a frase, já que as farmácias actuais, além de medicamentos que curam, oferecem consultas variadas, testes de rastreio do VIH/ sida, medem parâmetros, prestam aconselhamento e dão, sempre grátis, uma palavra amiga. Por todas estas razões, as associações de doentes de Alzheimer, psoríase, lúpus, sida, doenças respiratórias e ostomizados assinaram a petição “Salvar as Farmácias, cumprir o SNS”. Numa palavra, os doentes consideram o documento entregue à Assembleia da República «crucial».

«A farmácia é o local onde se encontra uma palavra de conforto e de apoio», diz Isabel Saraiva, da Respira – Associação de Pessoas com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica e outras Doenças Respiratórias Crónicas. «Os seus profissionais são, muitas vezes, a primeira e única ajuda no esclarecimento de dúvidas e informações precisas», considera.

O caso das doenças respiratórias é flagrante. «São pouco consideradas na nossa sociedade. Há muita gente que tem e não dá importância. Mas são mortíferas! Se uma pessoa não consegue respirar, morre», desabafa José Albino, a viver com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) há 20 anos. Os dados mais recentes do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias confirmam: a cada duas horas morre um doente. O problema tende a agravar-se com o envelhecimento da população e a degradação da qualidade do ar, estimando-se que as doenças do pulmão «venham a ocupar o pouco invejável terceiro lugar entre as causas de morte», como aponta Isabel Saraiva.


«Muitas vezes, é na farmácia que se descobre a doença pulmonar obstrutiva crónica, que pode ser fatal», alerta José Albino​

«Muitas vezes, é na farmácia que se descobre a doença, onde se reconhecem os sintomas», defende José Albino, de 69 anos. No seu caso, tudo começou com sinais típicos de uma constipação invernal, seguidos de um grande cansaço, que nunca mais o deixou. «Tinha pouco mais de 50 anos. Custava-me imenso subir escadas ou rampas. Tinha de parar a meio», lembra, confessando: «Estava atento porque fumava. E muito! Acordava para fumar», recorda, aliviado por ter apagado o último cigarro há duas décadas.

Também no combate ao tabagismo as farmácias desempenham um papel essencial. «Estão próximas das pessoas e, por isso, são determinantes para ajudar quem quer deixar de fumar», considera José Albino, que aprova com entusiasmo as consultas de nutrição, já presentes em muitas farmácias. «São importantíssimas. O cigarro queima muitas calorias. É normal engordar após largar o vício», explica.

José Albino mantém uma vida activa, mas sempre sujeito aos limites impostos pela DPOC. Logo, defende a existência de consultas de cessação tabágica em todos os centros de saúde e, também, nas farmácias, «tanto nas grandes cidades como em zonas rurais».


«No Interior do país, a farmácia quebra o isolamento», afirma Manuela Morais, da Associação Alzheimer Portugal​

Para muitos portugueses, a farmácia é o único ponto de contacto social que resta. «No Interior do país, muitas vezes desertificado e idoso, quebra um pouco o isolamento em que muitos se encontram», aponta, por sua vez, Manuela Morais, da associação Alzheimer Portugal, para quem a farmácia foi «um amigo presente» em todo o percurso da doença da mãe.

«Quando foi diagnosticada com Alzheimer, caiu-nos o mundo em cima», conta Manuela Morais, recordando as situações desesperantes que viveu, muitas vezes sem um médico à mão e sem a linha Saúde 24, ainda por inventar. «Socorremo-nos da farmácia e sempre obtivemos resposta e apoio», lembra.

Isso foi há 30 anos. Hoje, muitas coisas melhoraram: «Antes, pensava-se que a partir dos 65 anos tudo era arteriosclerose», recorda Manuela Morais. Já as farmácias continuam a ser insubstituíveis. Os doentes com Alzheimer, a partir de certa altura, não conseguem dizer o que têm ou o que sentem. «A família é muito importante para descodificar essas necessidades. Os farmacêuticos sabem identificar as situações, minimizar os danos e aconselhar», exemplifica.


«Os farmacêuticos são fundamentais pela forma como atendem as populações mais vulneráveis», considera Maria Eugénia Saraiva, da Liga Portuguesa Contra a Sida​

Ser farmacêutico é abraçar uma profissão que vai além do que se aprende nos livros. Muitas pessoas vão à farmácia apenas para falar e serem escutadas. «A sensibilidade, o facto de chegarem a todos e a forma como atendem as populações mais vulneráveis tornam os farmacêuticos fundamentais», sublinha Maria Eugénia Saraiva, da Liga Portuguesa Contra a Sida, enquanto coloca o seu nome na lista em que mais de 120 mil cidadãos reclamam a manutenção e o aperfeiçoamento de uma rede de qualidade a nível nacional.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, Portugal é hoje o segundo país da União Europeia onde a sida continua a fazer mais vítimas mortais – 134, em 2017 –, só superado pela Roménia (170 óbitos). Por isso, os rastreios são essenciais. A detecção precoce diminui o risco de contágio em cadeia. Desde Outubro, é possível fazer testes rápidos ao VIH/sida e às hepatites nas farmácias de Cascais, sem necessidade de prescrição médica. Está previsto alargar esta experiência a Lisboa, Porto e outras cidades porque as farmácias tornam o rastreio fácil e acessível aos cidadãos.

O Programa do Governo prevê ainda o aproveitamento da rede de farmácias para a dispensa de medicamentos anti-retrovíricos aos portadores de VIH-sida, evitando que tenham de fazer deslocações desnecessárias aos hospitais, especialmente aqueles que vivem mais longe das grandes cidades. Os doentes do Hospital Curry Cabral que optaram por ser assistidos nas farmácias comunitárias estão plenamente satisfeitos, de acordo com um inquérito de satisfação realizado por centros de investigação da Faculdade de Medicina de Lisboa e da Universidade Católica. A petição “Salvar as Farmácias, Cumprir o SNS” pede à Assembleia da República o alargamento dessa experiência.


«Em muitos locais, os centros de saúde estão longe e os transportes escasseiam. Só sobram as farmácias», adverte Jaime Melancia, presidente da Associação Portuguesa da Psoríase

O documento propõe ainda o aproveitamento da rede de farmácias para combater a desigualdade territorial no acesso à saúde. «Já fecharam os correios e as escolas. Os centros de saúde, por vezes, estão longe e os transportes escasseiam. Nestes locais, só sobram as farmácias», reclama Jaime Melancia, da Associação Portuguesa da Psoríase. Segundo ele, «no caso da Dermatologia, quem vive no Interior do país tem grande dificuldade em aceder às consultas». Por isso, «é essencial garantir que os doentes podem contar com a farmácia que têm mais perto». Na defesa dos doentes, Jaime Melancia sublinha que, apesar dos «farmacêuticos não poderem fazer o diagnóstico, podem – e fazem-no muitas vezes – alertar para os sintomas, avisando que a psoríase não é apenas uma questão de pele, mas uma doença que, se não for bem tratada, pode ter repercussões sérias». Além disso, muitos doentes vão à farmácia à procura de apoio psicológico e esclarecimento de dúvidas, áreas onde os farmacêuticos actuam de forma directa.


Luís Dutschmann defende que as farmácias são o melhor local para alertar a população para a doença de lúpus

O valor de uma rede de farmácias bem distribuída pelo território também é evidente para os doentes com lúpus. «Muitas vezes, as pessoas nem sabem que têm a doença. Na farmácia, são alertadas para os sinais de suspeita, obtêm esclarecimentos e são orientadas», declara Luís Dutschmann, da Associação de Doentes com Lúpus. Uma relação de confiança estabelecida de Norte a Sul do país, que faz com que Luís Dutschmann defenda que a melhor forma de alertar a população para esta doença é nas farmácias. «Por se apresentar de maneiras tão diferentes, o lúpus é facilmente confundido. A presença de panfletos informativos, por exemplo, pode ajudar».


«Se não fosse a rede de farmácias, de que nos serviria tornarem os produtos gratuitos?», pergunta Paulo Remédios, da Associação Portuguesa de Ostomizados​

Para os doentes ostomizados, as farmácias são o «ponto de socorro» sempre presente, seja na obtenção dos sacos de ostomias, agora comparticipados a 100 por cento, seja no aconselhamento do seu uso e manutenção. «Para nós, a rede de farmácias é importantíssima. Em especial agora, com a comparticipação», sinaliza Paulo Remédios, da Associação Portuguesa de Ostomizados. Este representante dos doentes mostra-se preocupado pelo facto de 25 por cento das farmácias se encontrar em risco de sobrevivência. «Se não há uma boa rede, de que nos serve tornarem os produtos gratuitos? Não conseguimos alcançá-los…», lamenta. Por isso, para Paulo Remédios «esta petição faz todo o sentido». «Normalmente os ostomizados são pessoas de certa idade e, muitas vezes, incapacitadas. Garantir uma boa rede de farmácias, de qualidade, como defende esta petição, é fundamental. É crucial, mesmo!».
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