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11 fevereiro 2019
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Ele vive no mundo da música

​​​O sonho de Pedro é fazer carreira na música.

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A síndrome de Asperger, diagnosticada aos 12 anos, não impediu a licenciatura de Pedro Miguel Dias em Design Sonoro. Fez o mestrado em Artes Musicais, tirou a carta de condução. Domina o inglês e está a fazer um curso de edição de produção musical, na World Academy. Continua a lutar pelo sonho de fazer carreira na música.
 
A patologia, enquadrada na franja do autismo de alto funcionamento, foi confundida durante anos com hiperactividade com défice de atenção. O diagnóstico tardio, gerado pelo desconhecimento da doença, não facilitou a vida à família. Os pais separaram-se quando Pedro ainda era criança. Até aos 16 anos, viveu com a mãe e contou com o apoio da avó. Desde então vive com o pai. O comportamento muitas vezes desajustado levou a que fosse frequentemente tomado como uma criança mal-educada. As férias eram um stress. Na praia era preciso estar sempre atento, pois a qualquer momento Pedro podia desaparecer sem avisar. Na escola causava estranheza e foi alvo de bullying.
 
Chegou a tomar medicação para controlar a hiperactividade.
 

O pai, Carlos Dias, orgulha-se das realizações do filho, como ter concluído o mestrado
 
​Característica do Asperger, Pedro Dias sempre sentiu dificuldade em comunicar e interagir. Em compensação, a doença conferiu-lhe traços de carácter úteis. É trabalhador, focado, organizado e preocupado com o pormenor. Tem uma enorme capacidade lógica e de memorização. Na escola era excelente aluno a matemática, mas tinha lacunas nas áreas mais subjectivas e de interpretação, como o português. Aos 28 anos, Pedro Dias alcançou mais êxitos do que é habitual nas pessoas com síndrome de Asperger. «Poucos conseguiram concluir uma licenciatura», orgulha-se o pai, Carlos Dias. 
 
Pedro define-se como uma pessoa «motivada, directa e determinada». Às pedras no caminho responde com resiliência. Nunca desiste. O exame de matemática do 12.º ano é um bom exemplo. No primeiro ano chumbou nos dois exames, no ano seguinte voltou a preparar-se e passou.
 

Pedro está entusiasmado com o projecto de desenhar imagens dos concertos a que assiste

 

A família sempre o apoiou e proporcionou-lhe oportunidades. O relativo desafogo económico familiar permite-lhe ocupar o tempo a fazer o que mais gosta: complementar a formação musical; ouvir, criar e tocar música no pequeno estúdio caseiro; assistir a concertos das bandas favoritas; passar tardes inteiras na Fnac; comprar livros e CD. Uma vida que não seria possível com os 260 euros de subsídio mensal que recebe da Segurança Social pela incapacidade.
 
A paixão pela música vem da infância. Pedro aprendeu a tocar piano aos 11 anos. Toca órgão electrónico e guitarra, e está a aprender baixo e bateria. Tem um bom domínio de mistura e masterização, e já produziu mais de dez CD, os primeiros de covers (músicas regravadas). Os mais recentes já têm originais. É ele que compõe a música e as letras, em inglês, para além de tocar e cantar. Ganhou experiência na banda de música da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA). Há um ano criou uma banda, Black Cat and the Ghosts. 
 
A música que toca, «ecléctica», reflecte o gosto musical. «Não ficamos presos no mesmo estilo musical. O pós-punk e o indie rock são os estilos principais da banda desde o início da carreira», conta.
 
Durante quatro anos, Pedro Dias frequentou os ateliês da chamada “Casa Grande” da APSA, para treinar a autonomia e melhorar as competências sociais. Nos primeiros dois ia todo o dia, hoje vai uma vez por semana. Aprendeu a cozinhar, fazer jardinagem, artes plásticas, música. O que lhe foi mais útil foi «aprender a falar melhor com os outros». A culinária não resultou. «Sou mau cozinheiro», assume, e mais não faz do que aquecer a comida no microondas.
 

No ateliê de expressão plástica da APSA, o seu preferido, desenvolveu o gosto pelo desenho

No ateliê preferido, de expressão plástica, Pedro desenvolveu o gosto pelo desenho. Durante algum tempo dedicou-se a um projecto de retratos a carvão, a partir de fotografias. Chegou a oferecer pessoalmente ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o desenho que dele fez. Também recebeu do Vaticano o agradecimento pelo retrato do Papa Francisco. Hoje está mais interessado no desenho, a carvão e tinta da china, de imagens dos concertos a que assiste, a partir de fotografias que ele próprio tira. As fotografias são publicadas no blogue “Arte by Pedro Dias”, juntamente com comentários, ao estilo de crítico musical. Pedro sente-se «muito confortável e tranquilo» na vida quotidiana. Continua a ser difícil gerir os imprevistos e o desconhecido, mas depois de algum treino consegue realizar a maioria das actividades diárias de forma autónoma.

 
 

 
Prepara o almoço, desloca-se de transportes públicos até à APSA ou à World Academy, vai ao supermercado. Em casa, entretém-se com a música, vê séries na televisão, lê. Gosta especialmente de Stephen King, mas também dos contos de Edgar Allan Poe, onde vai buscar inspiração para as letras das músicas.
 
Tem alguns amigos ligados à música, como os membros da banda, mas mais facilmente se lembra de ir sozinho ao cinema ou a um concerto do que de combinar com alguém. Sente empatia por alguns dos monitores da APSA, referências na sua vida, e recorre à família sempre que precisa. A família é o seu centro.
 

Pedro tem um estúdio caseiro onde ouve, cria e toca música
 
O grande desafio é a empregabilidade, para deixar de ser um eterno formando e conseguir sustentabilidade futura. Não é fácil ultrapassar as entrevistas de emprego, onde o muito treino pode sempre esbarrar numa pergunta inesperada, de difícil interpretação. A facilidade de trabalhar com softwares e o curso profissional de informática tornam a programação uma possibilidade de emprego. Mas o sonho é trabalhar no meio musical ou, melhor ainda, ter uma carreira artística. «O futuro que eu quero desenvolver é ir para o estúdio fazer regravações dos álbuns que andei a trabalhar no estúdio caseiro, para depois comercializar através de uma editora discográfica», diz. A ambição é grande e as dificuldades não são menores, mas o futuro o dirá. Persistência não lhe falta.

 
 

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