Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
28 março 2017
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro

Daniel Serrão: rigor ético

​O precursor da bioética em Portugal deixou um legado de respeito pelo ser humano.​

«Daniel Serrão foi um «homem de cultura e de rigor, que deixou uma Escola de Anatomia Patológica importante. Foi um dos primeiros cultores da Bioética em Portugal», define o professor catedrático de Farmacologia Walter Oswald, que partilhou com o médico do Porto uma amizade de 71 anos – dos 17 aos 88. Daniel Serrão morreu no dia 8 de Janeiro, na Trofa.

Para o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Católica do Porto, o médico ainda tem voz. «Entendo que ele está vivo. Deixou muitos textos, muitos discípulos, muita gente que continua o seu legado. Ensinou muita gente a pensar sobre a ética da vida e deixou uma marca muito grande, que não é passageira. Há mortos que falam e ele é um caso clássico», considera.

A integridade, continua o amigo de toda a vida, fazia com que Daniel Serrão se entregasse por completo às causas que abraçava. «Nunca esteve para fazer corpo presente. Esteve para ouvir, para debater, para doutrinar. E tinha uma cultura riquíssima. Também nunca se furtou a abordar temas sensíveis: o aborto, a eutanásia… Ultimamente interessou-se pelo cérebro. Era um homem dedicado, de causas, de uma ética pessoal enorme, que nunca se escondeu dos seus opositores. Tentou sempre discutir as ideias, nunca as pessoas».

O professor de Farmácia Francisco Carvalho Guerra, que convidou Daniel Serrão a ensinar Anatomia Patológica na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, também vê o médico como um exemplo. «Era um homem extraordinário. A falta que ele me faz! A mim e ao país». Conheceu-o muitos anos antes, tinha apenas 17. «Precisei de consultar um médico e levaram-me ao hospital de Santo António, onde conheci o então reitor. O doutor Serrão era seu assistente». Voltaram a cruzar se muitas vezes depois disso e «nasceu entre nós uma amizade muito grande, não só como meu médico, mas também como pessoa interessada». Carvalho Guerra não tem dúvidas: o país perdeu «um homem íntegro, muito interessado pelos alunos».

Devido à sua abertura e integridade, era, como sublinha Walter Oswald, «ponderado, só intervinha quando necessário, sendo por isso muito ouvido». «Era de um rigor e de uma profundidade extraordinários, sob o ponto de vista cristão e do humanismo. Os alunos adoravam-no», diz, por seu lado, Carvalho Guerra, acrescentando que quando foi para Roma, também ligado à ética – foi conselheiro do Papa João Paulo II, enquanto membro da Academia Pontifícia para a Vida – «manteve a capacidade de procurar soluções conjuntas. Ele tinha uma elegância especial».

O rigor, a frontalidade, o respeito pelo ser humano e pela vida são características apontadas por outros farmacêuticos portugueses a Daniel Serrão. O presidente da Mesa da Assembleia-geral da ANF, que conviveu de perto com o médico, confidencia: «Marcou-me, como homem e como médico». João Silveira recorda-o como alguém «muito determinado, que não virava a cara. Era frontal, mas sempre com um sentido ético inigualável da vida e da profissão. Coordenou, há décadas, uma comissão que propôs uma reforma do sistema de saúde, considerando, já então, que deveria centrar-se no doente». O também antigo bastonário da Ordem dos Farmacêuticos não tem dúvidas de que, com a morte do médico do Porto, «perde-se um grande valor. Ficamos todos mais pobres».

Paulo Cleto Duarte partilha esta sensação de perda. Para o presidente da ANF, «o professor Daniel Serrão é uma referência de alguém preocupado com os outros, com a ética, com a forma como as coisas acontecem, numa perspectiva de não atrasar o conhecimento – porque é preciso que o mundo e a ciência avancem, mas respeitando sempre os valores humanos».

João Cordeiro dedica-lhe deferência semelhante. «É uma referência indiscutível no campo da ética no nosso país. A sua preocupação constante com a ética era sentida, natural. Era uma pessoa de uma enorme estatura, mas também muito simples de conviver», diz o anterior presidente da ANF, acrescentando: «Eu diria que ele personificava, para as profissões da Saúde, o rigor e a ética profissional».​