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17 setembro 2016
Texto de Carlos Enes Texto de Carlos Enes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Agora sou eu»

​​​​​​​​​​​​​Estudou música como um atleta de alta competição. Fez-se maestro. Era uma estrela, mas trazia uma guerra no coração. Ganhou coragem. Subiu sozinho ao palco e deixou brilhar as próprias canções.

​Revista Saúda - No seu primeiro disco, apresenta a canção D Day como «Uma metáfora para o meu desembarque enquanto compositor, uma longa guerra comigo para definitivamente assumir as minhas palavras». O que explica uma metáfora tão forte?
Rui Massena - Uma vida inteira na música como intérprete, a aperfeiçoar-me para ser criterioso, rigoroso e capaz, de modo a honrar e respeitar as palavras que outros escreveram. Mas, paralelamente e muito escondido, havia um mundo meu, também desde muito cedo, que ficou sempre apagado. No ensino artístico, aquilo que te é estimulado é o aperfeiçoamento técnico com vista à interpretação. Na minha opinião, desde cedo devia começar o desenvolvimento intuitivo da nossa própria voz.

RS - É como trepar a montanha por um caminho pedregoso?
RM - É. A vida artística é bela mas muito dura. É um bocadinho como o desporto. É alta competição. Necessita de uma grande abnegação e muito tempo de trabalho. Há um grau contínuo de exigência, sempre cada vez maior. Aspiramos à perfeição, à execução perfeita. Quando dei conta, ao fim de tantos anos, percebi que já não estava feliz só com isso.

RS - E nasce aí o Rui Massena compositor.
RM - O compositor precisa exactamente  do contrário. Precisa duma vivência muito particular, de acreditar nas suas próprias palavras, de acreditar nos seus próprios impulsos, não os subjugar a ninguém. Precisa de muito trabalho e exigência, mas sobretudo de se compreender bem a si próprio. De responder à pergunta «O que é que eu quero?» – e não «O que é que os outros querem de mim?».



RS - Depois de anos de esforço para dominar a linguagem das sinfonias, essa escolha parece dramática.
RM - Nunca se perde e estará sempre comigo. Naquele momento, tu assumes para ti que vais passar a viver de acordo contigo, não com a perfeição, mas entendendo que as tuas imperfeições são, provavelmente, a tua perfeição. Ou seja, as tuas imperfeições resultam naquilo que tu és. O exercício deixa de ser aspirar à perfeição, mas a que as coisas te toquem, te façam bem e sejam a tua voz no mundo.

RS - A sua música tem objectivos emocionais?
RM - Sim. A música é vibração. Por isso alguns vibram mais do que outros. A música que eu faço faz-me vibrar no momento da composição e quando a toco. E é sempre esse processo. A cada nova canção.

RS - O que acha que levou tantas pessoas a adquirirem mesmo o disco, um gesto que já não é muito habitual hoje em dia? Acho que as pessoas gostam e precisam de parar.
RM - E a sociedade evoluiu a uma velocidade que o Homem não consegue suportar. (pausa) Julgo que os meus discos podem ser bons companheiros, porque transmitem serenidade e tranquilidade, a avaliar pelo que me vão dizendo as pessoas. É como ires ao ginásio fazer pilates ou ioga, é um momento em que páras o mundo.
Conto-lhe uma situação curiosa: quando eu cheguei à primeira aula de pilates, a professora estava a pôr uma música minha, chamada Meditação, no relaxamento final, mas não fazia ideia de que eu era o compositor. Foi demais. Eu não consegui relaxar. 

RS - Centro Cultural de Belém, 2014. A sala está cheia, com um piano no palco, vai tocar música sua. Como se sente?
RM - A ferver. Cheio de vontade de tocar. Vou tocar as minhas canções!

RS - Como olha para isso agora? 
RM - Visto agora à distância, acho que fui corajoso, até um bocadinho atrevido. Desfrutava de uma plataforma considerável de sucesso e, de repente, foi recomeçar do zero e fazer o percurso a partir daí. Entretanto, a coisa cresceu a um ritmo incrível. A verdade é essa. Desde aí até ao primeiro lugar do top de vendas foi tudo muito rápido. A equipa que acreditou em mim é muito boa. Apesar de estar sozinho em palco, nos bastidores está uma grande equipa. 

RS - Vai ser assim nos coliseus? Nos coliseus vai estar comigo o meu “Ensemble”, 12 músicos extraordinários, num formato em que o palco é no centro do Coliseu. É uma arena. Será um concerto muito íntimo.
RM - Quero fazê-lo com a música dos dois álbuns, o “Solo“ e o “Ensemble“, e ainda algumas canções novas num outro formato. Estou a preparar duas noites que quero memoráveis para mim e para as pessoas. Eu também me quero exceder. Não é exceder. Quero... como é que digo? Ultrapassar-me.



​RS - Como é que se equilibra para além da música? 
RM - Preciso de família, sou uma pessoa muito "de casa", muito "de família", muito ligado às minhas raízes. Vejo muito cinema e leio. Tento fazer desporto, embora seja uma luta. A cadeira do estúdio tem um íman…

RS - Mas faz um esforço?
RM - Faço. Faço um esforço.

RS - Gosta de sair?
RM - Tenho muitos convites, mas vou a poucas coisas. Gosto mais de estar em casa com amigos, gosto de relações genuínas.

RS - E pára para ouvir o mundo? 
RM - Paro. Paro para me ouvir a mim e ao mundo, sim. O tempo de mais qualidade que eu tenho é o tempo de compor e tocar. Lavo a alma. Porque é um tempo em que há silêncio e o meu papel é ocupar esse silêncio. O silêncio é um bem precioso. Por exemplo, muitas vezes não oiço música no carro. Faço uma viagem inteira do Porto a Lisboa e não oiço música.
 
RS - Mas o silêncio pode ser tão urbano? Na auto-estrada ouve-se pelo menos o barulho do motor…
RM - Darius Milhaud, extraordinário compositor francês que viveu durante o século XX, compunha de portas abertas. «É exactamente por ter barulho à volta que eu consigo encontrar o silêncio», explicava às pessoas do bairro dele, que era muito movimentado. Eu também preciso desse silêncio. O ruído desordenado afecta-me a concentração e perturba-me mas, em oposição, se for para o meio da natureza, o silêncio durante demasiado tempo passa a ter som. Portanto, o ideal é a cidade, com lugares de recolhimento. O meu estúdio, por exemplo. ​
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