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11 junho 2019
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de José Pedro Tomaz Fotografia de José Pedro Tomaz

A motard incansável

​​​​​A história de uma mulher que fez a volta a Portugal numa mota. Pelo caminho, deu a volta à fibromialgia.

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​Esta é a história de Eunice Pinto. Aos comandos de uma mota, a heroína anda por Portugal à descoberta dos seus recantos, culturas e pessoas. Por baixo do blusão preto de cabedal, veste a coragem de quem não dá tréguas à fibromialgia. E, onde passa, deixa uma mensagem de esperança: quando a vida nos dá uma segunda oportunidade, a única opção é agarrá-la. 

Nascida no Porto, Eunice traz no sangue e na pronúncia o amor incondicional pela cidade que a viu crescer e onde, a cada etapa, se reencontra. Dos pais herdou os olhos rasgados, a gargalhada fácil e a paixão pelas motas.


Eunice é apaixonada por motas desde a infância

Foi no Porto que se formou em Direito e daí partiu para o estrangeiro, onde ficou a trabalhar durante oito anos. Entretanto regressou à Invicta, para apoiar o negócio de venda de motas do pai e fazer alguns trabalhos pontuais de assessoria jurídica.

Aos 40 anos, Eunice orgulha-se de passar grande parte do seu tempo a fazer aquilo que realmente a faz feliz: andar de mota. Porém, nem sempre foi assim. Há três anos, numa fase de muito trabalho e pouco descanso, Eunice estava prestes a descobrir que a vida raramente se desenrola de acordo com os nossos planos.

A dor nos braços foi o primeiro sinal de alarme. «Achava que era do trabalho». Atrás veio o cansaço extremo e a falta de vontade. A viver na altura fora do país, numa casa com 45 metros quadrados, Eunice recorda como era difícil levantar-se para ir buscar um copo de água ou ir à casa de banho. «E lavar o cabelo», hesita, «era como correr uma maratona».


«Mentalmente eu já não funcionava», conta

Aos poucos, a rotina mudava. Aos fins-de-semana no sofá somavam-se os planos cancelados, as viagens adiadas e os sonhos postos em stand-by. No trabalho, as tarefas mais mundanas tornavam-se hercúleas. Eunice lembra-se ainda do parecer que nunca chegou a escrever, por mais que tenha tentado. «Além de estar fatigada fisicamente, eu mentalmente já não funcionava», conta, «lia uma, duas, três vezes e não conseguia reter nada».

Para os médicos, a justificação parecia óbvia: depressão, devido ao excesso de trabalho. Da primeira vez que se queixou da falta de energia, o médico de família passou-lhe um atestado de baixa médica e pediu-lhe que descansasse. «Mas eu continuava cada vez mais cansada e tinha consciência de que não estava deprimida». Durante nove meses, consultório após consultório, o cenário mudava, mas a resposta não. E a frustração aumentava.


Depois de nove meses sem diagnóstico, Eunice teve de reaprender a viver

Foi numa consulta de reumatologia que recebeu, finalmente, o diagnóstico. A fibromialgia e a síndrome de fadiga crónica eram as doenças responsáveis pelo seu estado de exaustão física e mental. «Foi aí que percebi que não podia continuar a trabalhar, muito menos a um ritmo tão acelerado», desabafa.

A fibromialgia e a fadiga crónica, ambas incuráveis, são doenças conhecidas pelo cansaço e dor neuromuscular que provocam. No entanto, Eunice explica que os sintomas são bastante difusos. É por isso que, quando perguntam onde lhe dói, aponta para o corpo todo e responde: «Aqui». Para além da dor, podem desregular o sono, afectar a capacidade de visão ou até mesmo o foco.

Eunice admite que, para si, o dia não tem tantas horas úteis como para a maioria das pessoas. E vai mais longe: «Às vezes, sinto uma corrente eléctrica que se liga sozinha, mesmo que eu esteja a descansar. O que quer dizer que o meu corpo está a trabalhar sem necessidade e que quando eu quiser levantar-me não vou ter energia, porque ele a gastou».

Apesar do alívio que sentiu ao encontrar a resposta que procurava, Eunice confessa que, no início, foi difícil aceitá-la. Depois de oito anos a viver no estrangeiro, viu-se obrigada a abdicar do trabalho, da independência e da vida que construiu. Para se focar na sua saúde, decidiu voltar ao Porto, para junto da família. E começar do zero.

«Tive de reaprender tudo», revela Eunice. De modo a atenuar o impacto da doença, percebeu que é essencial ter uma vida disciplinada, em termos de alimentação, exercício e sono. A medicação, aliada a suplementos de vitamina D, ómega-3 e magnésio, também ajuda no controlo dos sintomas.


Ao comando da "Laya", Eunice dá a volta à fibromialgia

«Eu agora estou bem, mas daqui a uma hora não sei como vou estar», afirma, «e, a p​artir do momento em que percebi que a minha vida é uma luta diária, soube que tinha necessidade de me superar». A oportunidade surgiu há um ano, quando conheceu a mota que carinhosamente apelida de “Laya”. E foi amor à primeira vista. Com a sua fiel companheira, fez uma viagem de um mês pelo país, na qual provou a si própria que a força de vontade não conhece limites.

E foi no segundo dia da volta a Portugal que teve um momento de catarse. «Sentada em cima da mota, lembrei-me do estado em que eu já estive: sentada no sofá, às vezes olhava para o telefone e custava-me mandar uma mensagem», conta. E remata: «Nunca me vou esquecer desse momento em que percebi tudo o que aguentei e o que já tinha conquistado».

Durante a viagem, conheceu os mais bonitos recantos de Portugal e de si própria. «E descobri que as pessoas são incríveis», recorda, sorridente. Algumas abriram-lhe as portas da sua casa e sentaram-na à sua mesa. Com elas partilhou, muitas vezes, a sua história e percebeu que a sua luta as inspirava. «Houve dias mais difíceis do que outros», desabafa, «e é claro que a força de vontade não é suficiente para me curar, mas custa menos quando temos uma paixão, um objectivo».

Hoje, Eunice tem uma postura positiva perante os desafios que a vida lhe impõe. Em vez de achar que há coisas que não pode fazer, prefere acreditar que algumas têm de ser feitas de forma diferente. «Não posso fazer uma maratona de 20 quilómetros, mas posso caminhar os 20 quilómetros», exemplifica, num tom divertido.

A outros doentes, deixa um abraço apertado. «Estas doenças não se vêem e podem ser muito solitárias». A Medicina não tem uma única resposta, mas Eunice sublinha que há pequenas soluções que podem atenuar o problema. E garante: o mais importante é não desistir.

«A minha doença não me define», sorri, «eu não sou uma pessoa com fibromialgia e fadiga crónica. Eu também tenho isso, mas sou muitas outras coisas». Portanto, prefere pensar que a vida lhe deu uma segunda oportunidade para cumprir os seus sonhos.

Esta é a história de Eunice Pinto. E a prova de que nem só de contos de fadas se fazem os finais felizes.

 

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