Ao longe parece uma criança, presa numa cadeira de rodas. Mas basta um segundo olhar para perceber a ilusão óptica criada pelos seus 97cm. Acrescente-se um minuto de conversa e descobrir-se-á, nesta mulher de 33 anos, uma gigante com nove metros de altura ou mais.
Mafalda Ribeiro tem osteogénese imperfeita, uma doença congénita rara provocada pela falta de cálcio nos ossos e um colagénio (o “cimento” que os suporta) altamente deficiente. Foi a também conhecida como doença dos ossos de vidro que lhe ditou a extrema fragilidade física e moldou o corpo num processo impiedosamente doloroso, especialmente até aos 14 anos de idade. Até então, sofreu mais de 90 fracturas. «Tive uma infância muito dolorosa. Olho para as minhas fotografias de aniversário, de Natal, e tenho sempre ou um braço partido ou uma perna partida, ou os dois… Eu espirrava e partia uma costela». Conta que, por vezes, nem se apercebia de que estava novamente partida, de tão cíclico que era. A mãe, a quem os médicos na maternidade secaram o leite porque a filha, vaticinaram, iria durar poucos dias, guardava-lhe as radiografias. Eram já perto de 90, «mas deixou de as coleccionar e deixámos de contar».
Pouco importa. Mafalda nasceu assim e nunca soube o que seria ser outra coisa. «Para mim, é tão normal e natural ser assim como ter a pele clara ou os olhos esverdeados. Esta sou eu». Soube desde muito cedo que não valia a pena tentar agarrar-se às coisas e dar os primeiros passos porque ia cair. «Ninguém me disse “não te ponhas em pé que cais”. Foi qualquer coisa de inato, como se tivesse um chip interno que me ia programando para o que podia e não podia fazer».
Inspiradores, diz, são aqueles que, tendo nascido “normais”, adquiriram uma deficiência. «É deles que recolho lições de vida. Tiveram de passar por uma mudança de paradigma. Um acidente, a saída de um coma, o que for, e é preciso reaprender, literalmente, a viver». Já ela - insiste, sempre assim foi. «Se agora desatasse a andar, seria muito estranho. Deixava de ser eu».
Aos 14 anos melhorou muito, tornou-se menos frágil. «Parece que, nas mulheres, tem a ver com o aparecimento da primeira menstruação», explica. A verdade é que, desde então, estabilizou. E não sendo a osteogénese imperfeita uma doença degenerativa, «a minha deficiência, hoje e desde há muitos anos, é só limitante: sei que não sou totalmente autónoma, porque estou numa cadeira de rodas». Mas, afirma, «nunca tive vergonha de precisar dos outros. E ter este tamanho é uma vantagem incrível, porque torna a mobilidade mais fácil». A cadeira pode ter de ficar à porta, mas ela vai sempre onde quer. «Aprendi a saltar barreiras ao colo dos outros. Nisso, sou egoísta. Não tenho tempo a perder com lamentos e reclamações». “Não és capaz” ou “não podes” são só desafios: «Se não consigo igual, faço diferente, mas faço».
E é tanto o inesperado que já fez! Já “correu” uma mini-maratona, por exemplo. Queria sentir a sensação da velocidade e do vento a bater-lhe na cara.