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8 fevereiro 2019
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

A enfermeira vizinha

​​​​O lugar do enfermeiro também é na farmácia.

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Farm​ácia d’Aldeia - Aldeia de Juso

O ano era 2003. Numa manhã amena de Outono, a campainha da recém-aberta Farmácia d’Aldeia anunciava a entrada da sua primeira utente. 

Olga Pigrau tinha chegado à Aldei​a de Juso há uns meses. Um dia passou por ali de bicicleta, olhou em ​volta e pensou: «Fantástico, é aqui que quero viver». E assim foi. Na altura, a rua da sua moradia não estava ainda alcatroada. Ao fundo, havia uma pequena mercearia e pouco mais. Quando a farmácia abriu, trouxe-lhe a segurança que faltava e Olga sentiu que a aldeia passaria a ter mais vida.


«O telefone da farmácia é o meu número de emergência», conta Olga Pigrau

«Venho cá para tudo», afirma a utente de 57 anos. A musicalidade doce na voz revela as origens espanholas.

«Este não é só um lugar de dispensa de medicamentos», continua, «é um ponto de acolhimento e apoio das pessoas, de resolução de problemas». A 27 de Outubro de 2003, Olga marcava o início desta história; longe ainda de saber que, 15 anos depois, viria a ter o telefone da farmácia como contacto de emergência.


A directora-técnica, Elvira Branco, chamou a enfermeira para a fotografia de equipa

Para a directora-técnica, Elvira Branco, a abertura da farmácia, que é a única na localidade, foi a realização de um sonho. E o atendimento, confessa, é a parte mais bonita do seu trabalho. «Conhecemos os nossos utentes e conseguimos perceber como se sentem pelo sorriso ou a maneira como caminham», conta a proprietária de 60 anos. Por isso, considera fundamental criar sinergias com outros profissionais de saúde, de modo a garantir que quem entra na Farmácia d’Aldeia sai com o assunto resolvido ou encaminhado.

 


A enfermeira Maria João Góis é vizinha e utente da farmácia desde a abertura. Quando, há 10 anos, foi convidada a prestar cuidados de enfermagem naquele espaço, não pensou duas vezes. «Este serviço é importante, porque o centro de saúde é longe e por aqui não há muitos recursos», começa por contar. A profissional de 63 anos explica que há idosos com dificuldades em deslocar-se, perdendo muito tempo para chegar ao hospital ou ao centro de saúde.

Às segundas, quartas e sextas, a farmácia é o local para administrar injectáveis, fazer pensos e remover  pontos de suturas. O trabalho é feito em equipa, numa constante troca de ideias. «Muitas vezes perguntam-me o que eu acho sobre uma ferida ou umas borbulhas numa criança», explica Maria João, «e quando eu estou a fazer um penso posso pedir dicas sobre o produto que mais ajuda naquela lesão».


«Já recebi telefonemas a pedir ajuda às horas mais improváveis. Venho logo para a farmácia», relata a enfermeira Maria João

Mas a colaboração entre a Farmácia d’Aldeia e a enfermeira com 43 anos de experiência não fica por aqui. «Já recebi telefonemas às horas mais improváveis, a dizer que alguém se magoou ou que um medicamento tem que ser tomado àquela hora e venho logo para aqui», afirma.

Nas situações mais graves, em que o utente tem um problema e não pode sair de casa, Maria João presta também serviços ao domicílio. António José, de 94 anos, é um desses casos. A enfermeira explica que, devido ao pé diabético, os tecidos do pé esquerdo estavam em risco de gangrenar. Um problema que, na maioria das vezes, resulta em amputação.


Uma enfermeira na farmácia que visita os doente de Vespa. Não é em Roma, mas na Aldeia de Juso

Em dia de curativo, o motor da Vespa clássica ouve-se ao longe. A campainha toca: «É a Maria João». A meio da introdução o portão já está aberto. O penso é feito no sofá da sala, como é hábito. «Ainda tem muita força na perna», brinca a enfermeira enquanto lhe descalça a meia. «Eu sou rijo, comi muita bolota», responde António. Traz o Alentejo na pronúncia cerrada e na boina que nunca tira. Entre histórias de Ourique e da guerra, fala das saudades dessa casa de outros tempos, que só visita uma vez por ano. O curativo acaba e o pé está cada vez melhor. «Não se esqueça de caminhar um bocadinho todos os dias», lembra Maria João. António não esquece. Só fica em casa quando está a chover.

Elvira Branco não tem dúvidas quanto às vantagens desta parceria para o utente. «O enfermeiro é um elemento muito importante na saúde pública», sublinha, «e isso também conforta as pessoas». A directora-técnica considera que as farmácias deveriam ser uma continuidade do SNS, servindo de ponte entre profissionais de saúde. «Os farmacêuticos, os médicos e os enfermeiros deveriam estar ligados, de modo a que as coisas fluam e até o Estado tenha menos despesa», afirma convicta. E remata: «É por aqui que a saúde tem de ir».

De olhos postos no futuro, Elvira espera que a cruz cor de esperança se mantenha sempre acesa. «A farmácia tem de estar junto da população», explica, «da pessoa que está sozinha, da senhora que perdeu o marido, do utente que precisa da ajuda da nossa enfermeira e ela vai lá. Tudo isso para mim é que é a farmácia», conclui.


Rosa Estevens, de 84 anos, vacina-se todos os anos na Farmácia d’Aldeia

Rosa Estevens, de 84 anos, vacina-se todos os anos na Farmácia d’Aldeia. Quando atravessa a porta, caminha a passo vagaroso até à cadeira que os anos lhe reservaram, ao lado do balcão. Às vezes vem só para um copo de água e um beijinho, demorando-se nas conversas com a equipa. «Esta farmácia é a minha família», desabafa, comovida, «e digo isto do fundo do coração». De sorriso rasgado e olhar meigo, fala dos farmacêuticos e da enfermeira que tanto adora. E garante: «Venho cá buscar carinho, coragem e os medicamentos».


 

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