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16 novembro 2017
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Rernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Rernandes

A casa de família

​​​​​​​​​​​Nas noites de disponibilidade, a farmácia articula-se com o hospital de Mirandela.​​

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Farmácia da Ponte - Mirandela

São 10h40 da manhã. João Sá entra na farmácia, cumprimenta utentes e colaboradores, põe-se ao corrente dos assuntos urgentes a tratar. Hoje não é um dia qualquer. Espera-o um dia – e longa noite – de trabalho. A Farmácia da Ponte vai ficar de serviço permanente. É uma pequena empresa familiar, numa cidade do Interior com menos de 12 mil habitantes. A disponibilidade é assegurada à vez pela directora-técnica e proprietária, Marília Teixeira Lopes, ou pelo nosso interlocutor, que é seu filho e farmacêutico substituto. «Desta vez, ela não está cá. Por isso, ficarei eu a assumir a função».

João Sá, 41 anos, nasceu aqui e cresceu embalado pelas tarefas e os sons da farmácia, que está instalada no rés-do-chão do prédio da casa de família, onde os pais ainda moram. Ele mudou-se para a freguesia de Carvalhais, uma aldeia a dois quilómetros que, com o passar dos anos, foi “apanhada” pela cidade. Nos dias em que fica de escala adapta as suas rotinas pessoais e da família. A mulher e filhos, Francisco, de sete anos, e Joana, de cinco anos, também vêm com ele para o centro da cidade. «Se tenho de trabalhar à noite vimos sempre dormir aqui na casa da minha mãe». As trocas constantes de casa não o incomodam. Para a família, tornaram-se sinónimo de afecto e alegria. «É óptimo para os miúdos, porque estão em convívio com os avós. E depois, de manhã, até demoro menos tempo a pô-los na escola».

​​​Quando alguém toca à campainha de madrugada, o atendimento é imediato. João sai de casa num passo e com o outro entra na farmácia. «É só descer as escadas, é muito rápido», sorri, apontando para os degraus. O método é antigo e sempre deu provas de eficácia. «Aqui funcionamos assim». Nas noites de disponibilidade, a Farmácia da Ponte troca informação e articula- se com o Hospital Distrital de Mirandela, que fica a 850 metros. «Se soubermos que as urgências estão com muita gente, deixamos a porta aberta até mais tarde, porque sempre aparece gente», explica o farmacêutico. Nas noites de calmaria no hospital, a Farmácia da Ponte fecha a porta entre as dez e as onze, e passa a atender pelo postigo.

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Nas noites de disponibilidade a Farmácia da Ponte articula-se com o hospital de Mirandela

​​Só no Verão a porta fica aberta até à meia-noite, independentemente do movimento no hospital. Há mais gente na rua e «sempre temos aquela pessoa que vê algo na montra e entra». Nos frios invernos transmontanos, «quem vem à farmácia tem alguma necessidade específica».

​Até às 22h00, tanto há serviços provenientes da urgência «como para aquele utente que toma medicação por doença crónica e se esqueceu de a comprar». A medicação infantil é uma necessidade relativamente frequente, não só à noite como madrugada dentro. Ah, claro, «há sempre o pedido das pílulas para as senhoras». Por vezes também há lugar para pedidos insólitos. «Tive uma vez um caso em que me vieram aqui à farmácia, às três horas da manhã, pedir pasta de dentes». João Sá acredita que a aplicação da taxa moderadora, há cerca de três anos, tem ajudado a filtrar solicitações de não-urgência. «Hoje em dia já é difícil alguém aparecer a pedir uma pasta de dentes ou algo desse género. Decidimos aplicar a taxa, para as pessoas ponderarem se têm mesmo uma necessidade real quando vêm ao encontro da farmácia».

​​Uma farmácia no centro de Mirandela presta serviço a utentes de «idade média-alta», afirma com graça o farmacêutico. Muitos idosos, com uma vida passada no campo, que vivem na periferia e dispersos pelas aldeias do concelho. Já a «escolaridade é média baixa», como o poder económico. Há muita gente só, isolada, com a doença da solidão. «Há quem venha ter connosco por causa de falta de afectos», conta João Sá. Gosta do que faz.

​As noites de serviço dão às equipas das farmácias a oportunidade de fazer a diferença na vida dos seus utentes e amigos. Por exemplo, Maria Costa, 73 anos, residente na aldeia de Cedães, a dez quilómetros de Mirandela, fiel à Farmácia da Ponte vai para 13 anos. Ela nunca se esquecerá de como foi atendida num dos momentos mais aflitivos da sua vida, quando o marido, Francisco António Cordeiro, 81 anos, sofreu um acidente vascular cerebral. «O meu marido teve um AVC e a médica disse-me que naquela noite, logo após a saída do hospital, ele tinha de tomar um medicamento. Contei com a ajuda desta farmácia». A septuagenária considera «muito importante poder contar com o apoio da farmácia durante a noite». Já precisou várias vezes. E como ela, «mais pessoas podem precisar».

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Maria Costa está reconhecida ao atendimento da farmácia quando o marido teve um AVC

É o caso da francesa Madoin Madonia Josette, 67 anos. Reformada há sete, elegeu Mirandela para gozar os anos de reforma. Quando se apercebe que estamos em reportagem, até atropela as palavras para falar da Farmácia da Ponte. De dia e de noite esta é a sua farmácia de eleição. «Sempre que tenho algum problema de saúde venho aqui», conta. A competência da equipa de profissionais, aliada à prestação de serviços em duas línguas, português e francês, cedo conquistaram o seu agrado.

Desta vez, Madame Josette veio porque o marido, Joseph Madonia, 69 anos, se lesionou no joelho direito. «Aqui são todos muito simpáticos e excelentes profissionais! Nós adoramo-los!», exalta. José Luís Santos, 38 anos, bilingue, é quem habitualmente atende o casal de emigrantes. «O José é o nosso farmacêutico. Gostamos muito dele. É um profissional muito, muito competente», avalia a sexagenária.

Também nestas paragens dominar línguas tem importância. «Temos alguns estrangeiros em turismo ou até a residir por aqui. Tentamos sempre compreender ao máximo o que precisam», expõe José Luís. O casal Madonia promove a Farmácia da Ponte junto da comunicade francófona. «Já cá trouxeram amigos para os atendermos», conta o farmacêutico, que durante a infância viveu em França.​​​​
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