É vice-campeã olímpica do triplo salto [Tóquio 2020] com a marca de 15,01 metros, que é recorde nacional. O que há em si que a faz ser uma vencedora?
A minha capacidade de saber lutar. Aceito os obstáculos e procuro ultrapassá-los, um a um.
A pujança do salto ou a força da mente, qual é o seu maior trunfo?
A força da mente, sem dúvida! A pujança do salto só ganhou expressão depois de atingir um nível mental forte. Faço desporto há mais de 20 anos e sempre sonhei ganhar uma medalha olímpica, porém apenas o consegui passado estes anos. Só depois de a mente estar bem trabalhada é que a pujança do salto teve oportunidade de sair, faltava o clique.
E que clique era esse?
Faltava acreditar. Sempre achei que alcançar a marca de 15 metros era algo atingível por pessoas extraordinárias, e eu nunca me vi nesse papel, porque não confiava. Quando comecei a acreditar de que seria capaz, o resultado apareceu.
Disse para si: «Eu sou extraordinária!»?
[sorriso tímido] Acreditei que era capaz e dei o meu melhor. Não gosto de dizer que sou extraordinária, é tudo fruto de muito trabalho.
«Antes de venceres os outros, vence-te a ti mesmo», lê-se num cartaz no Centro de Alto Rendimento do Jamor, onde treina. Foi isso que fez?
A minha forma de ver as coisas é pensar no meu progresso. Todos os dias compito contra mim mesma.
Aos 34 anos, Patrícia Mamona é uma das atletas de triplo salto mais premiadas de Portugal pelos feitos desportivos
A saúde mental é fundamental no desporto de alta competição. Que trabalho faz a este nível?
Faço um trabalho assente em meditação que tem dois objetivos: ajudar-me a relaxar, pois a minha vida é um pouco stressante, e ensinar-me a focar. Quando estou em certas situações como, por exemplo a competir, perante um estádio cheio, nos Jogos Olímpicos, o foco é essencial. Tenho de resumir em 30 segundos o treino de quatro anos.
Quando está a saltar, o que leva dentro de si: vontade de vencer ou medo de falhar?
Vontade de vencer, sem dúvida. Durante o salto não penso muito e, normalmente, salto mais quando penso menos.
E é com vontade de vencer que inicia este Ano Novo...
Sim. Penso sempre que cada dia ou cada ano é altura para recomeçar. Em 2022 tive muitas lesões, mas isso não me impediu de pensar positivo.
Que conquista gostaria de alcançar?
O Mundial e os Europeus são as duas competições que me chamam mais a atenção. Desejo que 2023 seja um ano em que me consiga manter saudável e com menos lesões.
Para preservar a saúde mental, Patrícia Mamona não cuida apenas do corpo. Faz meditação.
Como é ser atleta de alta competição? É um desafio dia após dia?
Cada treino é um desafio, especialmente quando regresso de um período menos intenso. De repente, deparo-me com dores musculares e outras, que não consigo reconhecer se são, ou não, o caminho para uma lesão. E há outros desafios que temos de ultrapassar…
Quais?
No ano passado, devido às lesões, não tive oportunidade de ver a minha família, que vive em Inglaterra, e isso custa-me um pouco. Mas é por um bom propósito.
Espera vê-los mais vezes este ano…
É sempre difícil… A minha profissão é assim, é raro termos um dia de descanso na altura que queremos. Aqui em Portugal vou criando a minha família, com os meus amigos e o meu namorado. É o que é.
Tem 34 anos. Sente o peso da idade na prática desportiva?
Houve uma altura em que dava muita importância à idade porque se dizia que, depois dos 30 anos, um atleta deveria pensar em acabar a carreira. No meu caso, foi totalmente o oposto. Só aos 33 anos é que comecei a atingir as marcas que tanto queria. Sinto é que, com o avançar da idade, a recuperação é mais lenta.
Que cuidados tem no dia a dia?
Procuro dormir no mínimo nove horas, vou à fisioterapia e faço a minha manutenção com gelo, massagens, sauna, porque tudo influencia positivamente a minha recuperação. Também faço pilates, para fortalecer as costas.
Filha de pais angolanos, Patrícia Mbengani Bravo Mamona nasceu a 21 de novembro de 1988 em Lisboa
Na hora de tratar de si, tem alguma farmácia de eleição?
Sim, a Farmácia Central Park, em Linda-a-Velha. Está aberta 24 horas por dia e lá têm tudo o que preciso! Eles conhecem-me bem, tenho uma relação próxima com a equipa, até porque, infelizmente, tenho traço falcêmico, uma condição genética que me leva a ter uma anemia quase crónica. Devido à minha atividade desportiva, tenho de vigiar regularmente a alimentação, a suplementação, e por isso a farmácia é quase uma segunda casa.
Também faz sacrifícios à mesa?
Tenho de dizer «não» muitas vezes, quando janto fora ou com a família… Eles percebem, mas insistem para eu provar e, às vezes, apetece-me imenso…
A que é que não resiste?
Eu tenho sempre de resistir, não há hipótese!
Nunca faz asneira?
Quando vivia nos EUA e vinha a Portugal, comia três a quatro pastéis de nata. Agora, estou mais consciente, sei que se comer certas coisas terei de fazer uma nova sessão de séries [risos]!
É uma apaixonada pelo corpo humano. Está a estudar Engenharia Biomédica. Porquê esta especialidade?
Sempre achei que ia ser médica. Comecei o curso em Portugal e, entretanto, fui para os EUA estudar Medicina. Porém, não me deram equivalência. Então, como plano B, decidi inscrever-me num ramo parecido, com uma componente médica de que gosto muito.
Há alguma vertente que aprecie mais?
Gostava de vir a estar ligada à área dos dispositivos médicos e, acima de tudo, ficar ainda mais próxima das pessoas, quiçá atuando na área de próteses ou estando associada aos paraolímpi- cos. Vou deixar em aberto.
Qual é o seu calcanhar de Aquiles?
Essa é uma boa questão. Eu sou teimosa, muito teimosa [risos]. Quando ponho uma ideia na cabeça, não descanso até a conseguir.
É caso para dizer «abençoada teimosia!». Ouviu vozes críticas, mas nunca desistiu do atletismo, tendo, nos EUA, suplicado para experimentar a modalidade…
Sim, é verdade. Eu tive de pedir ao meu professor nos EUA e, lembro-me até hoje, que ele me deixou treinar, mas fi-lo sozinha! Desde muito cedo, ouvi: «O triplo salto não é para ti! Não tens perfil, és baixinha». Acabei por ganhar a competição nos regionais e nos nacionais, alcançando os mínimos para os Jogos Olímpicos. Foi aí que se fez luz: percebi que podia ser atleta profissional e decidi mudar a minha vida. Telefonei ao meu treinador, de Portugal, e disse-lhe: «Professor, tem quatro anos para me tornar finalista olímpica». E dito e feito.