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5 abril 2019
Texto de Carlos Enes Texto de Carlos Enes Fotografia de Direitos reservados Fotografia de Direitos reservados

699 anos de judeus em Castelo de Vide

A comunidade ​judai​ca em solo português.

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O diálogo inter-religioso em Castelo de Vide é uma história tumultuosa, com um presente feliz. 

Tudo começou há quase, quase, 700 anos. Os primeiros 49 judeus, de 17 famílias, chegaram em 1320. E ficaram, graças à terra fértil e à abundância de água, recurso raro no sul da península e precioso para os seus empreendimentos de tinturaria. Em apenas treze anos, a comunidade judaica, que não parou de crescer, era autorizada a fundar a primeira sinagoga.

Um momento crítico aconteceu quando os Reis Católicos da actual Espanha deram ordem de expulsão a todos os judeus. Em 1492, Castelo de Vide transformou-se num campo de refugiados. Carolino Tapadejo estudou em detalhe essa odisseia dos seus antepassados.

- De repente, uma terra de 800 habitantes recebe o pedido para alojar quatro mil almas em fuga.

Para além de Castelo de Vide, alguns foram parar às terras em volta, como Alpalhão e Nisa. A maioria dos fugitivos vinha sem nada e com fome de tudo. D. João II autorizou-os a ficar por oito meses. Em definitivo, só contra o pagamento de um imposto que a maioria nunca poderia liquidar. Os pobres ficaram entalados entre Castela e o o​ceano Atlântico. Não tendo conseguido emigrar, acabaram vendidos como escravos. Os filhos podiam ser-lhes retirados aos dois anos, baptizados à força e embarcados para colonizar as ilhas de São Tomé e Príncipe.

Em Castelo de Vide, os judeus não tinham nada de exótico. Haviam conquistado a fama de empreendedores e o correspondente proveito ao longo de século e meio de imigração constante. Depois dos tintureiros, a judiaria ganhou com a concorrência de alfaiates, carpinteiros, ferreiros e sapateiros. O nome de alguns resistiu até hoje esculpido na pedra das ombreiras das portas.

A súbita multiplicação por cinco da população foi menos violenta do que noutras regiões. A terra era fértil, rica em água. Não faltava chão de semeadura nem pasto abundante para os animais. Por outro lado, algumas famílias traziam dinheiro e muitas aportavam conhecimento.

Os judeus ganharam influência na corte real. Sabiam Cartografia, necessária à expansão marítima, Boticária e Medicina. Garcia de Orta, amigo de Camões e autor do revolucionário “Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia”, nasceu em Castelo de Vide em 1500, nove anos depois da sua família ter fugido de Espanha.

- Não me ponhais medo com Dioscórides nem Galeno, porque não hei de dizer senão a verdade, e o que sei.

Este espírito livre talvez tenha sido a resposta a uma infância marcada pelo medo e a intolerância religiosa.

Para terem o direito de permanecer em Portugal, o mercador Fernando de Orta e Leonor Gomes, seus pais, foram forçados a converter-se ao cristianismo, ainda antes dele nascer.

D. Manuel I começou o seu reinado por libertar os judeus da escravatura, mas a sua política de tolerância religiosa acabou estragada por contrato de casamento. Para lhe concederem a mão de Isabel de Aragão, em 1496, os reis católicos impuseram-lhe a expulsão de todos os infiéis à fé católica. O expediente do rei foi oferecer aos judeus a cruz como salvação, ou pelo menos como alternativa ao degredo. A Fonte da Vila assistiu a centenas de baptismos de fachada e à força. Nasciam os cristãos-novos.

- Eram cristãos para fora e judeus para dentro. 

Em 1536, a Inquisição chega a Portugal, autorizada por D. João III.

- Tanto quanto sabemos, de Castelo de Vide morreram cerca de 400 pessoas.

Há 30 anos, a Fonte da Vila assistiu a um momento histórico. O Presidente da República, Mário Soares, pediu perdão pelos horrores do passado.

- Em nome de Portugal, quero pedir perdão aos judeus das perseguições de que foram vítimas na nossa terra.

 

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